Vulcano (Hefoestos)

Vulcano (Hefoestos)

Hefoestos

Sumário

Vulcano (Hefoestos)

 

Nascimento de Vulcano

Vulcano era filho de Júpiter e de Juno, ou segundo alguns mitólogos, de Juno só, com o auxílio do Vento. Envergonhada de ter dado à luz a um filho tão disforme, a deusa o precipitou no mar, a fim de que eternamente ficasse escondido nos abismos. Foi, porém, recolhido pela bela Tetis e Eurínome, filhas do Oceano.

Durante nove anos, cercado dos seus cuidados, viveu numa gruta profunda, ocupado em fabricar-lhes brincos, broches, colares, anéis e braceletes. Entretanto o mar escondia-o sob as suas ondas, tão bem que nem os deuses nem os homens conheciam o seu esconderijo, a não ser as duas divindades que o protegiam.

Vulcano, conservando no fundo do coração um ressentimento contra sua mãe, por causa dessa injúria, fez uma cadeira de ouro com mola misteriosa, e a enviou ao céu. Juno admira uma cadeira tão preciosa; não tendo nenhuma desconfiança, quer sentar-se nela; imediatamente fica presa como em uma armadilha; e aí ficaria muito tempo, se não fosse a intervenção de Baco, que embebedou Vulcano para obrigá-lo a soltar Juno. Pretende Homero que essa aventura da mãe dos deuses excitou a hilaridade de todos os habitantes do Olimpo.

Em outra passagem Homero conta que foi o próprio Júpiter quem precipitou Vulcano do alto do céu. No dia em que, para punir Juno por ter excitado uma tempestade que devia fazer perecer a Hércules, Júpiter suspendeu-a no meio dos ares, Vulcano, por um sentimento de compaixão ou de piedade filial, socorreu a sua mãe. Pagou caro esse movimento de bondade: Júpiter segurou-o pelos pés e atirou-o no espaço.

Depois de haver rolado todo o dia nos ares, o desgraçado Vulcano caiu na ilha de Lemos, onde foi recolhido e tratado pelos habitantes. Nessa terrível queda quebrou as duas pernas, e ficou coxo para sempre. Entretanto, pela intervenção de Baco, Vulcano foi de novo chamado ao céu e recaiu nas graças de Júpiter, que o fez desposar a mais bela e a mais infiel de todas as deusas, Vênus, mãe do Amor.

Esse deus, tão feio, tão disforme, é de todos os habitantes do Olimpo o mais laborioso e ao mesmo tempo o mais industrioso. Era ele que, por divertimento, fabricava mimos para as deusas que, com os seus Ciclopes, na ilha de Lemos ou no monte Etna, forjavam raios de Júpiter.

Teve a idéia engenhosa de fazer cadeiras que se dirigiam sozinhas à assembléia dos deuses. Ele não é somente o deus do fogo, mas também o do ferro, do bronze, da prata, do ouro, de todas as matérias fusíveis.

Atribuíram-lhe todas as obras forjadas que passavam por maravilhas: o palácio do Sol, as armas de Aquiles, as de Enéias, o cetro de Agamemnom, o colar de Hermione, a coroa de Ariana, a rede invisível em que prendeu Marte e Vênus etc.

Esse deus tinha muitos templos em Roma, mas fora dos muros: diz-se que o mais antigo era obra de Rômulo. Nos sacrifícios que se lhe ofereciam, era costume fazer consumir pelo fogo toda vítima, sem nada reservar para o festim sagrado; eram, pois, realmente holocaustos. A guarda dos seus templos era confiada a cães; o leão lhe era consagrado. As suas festas se celebravam no mês de agosto, isto é, durante os calores ardentes do estio.

Em honra ao deus do fogo, ou antes, considerado o fogo como o próprio deus, o povo atirava vítimas em um braseiro, a fim de tornar propícia a divindade. Por ocasião dessas festas, que duravam oito dias consecutivos, havia corridas populares em que os concorrentes corriam com uma tocha na mão: aquele que fosse vencido dava o seu facho ao vencedor.

Eram considerados filhos de Vulcano todos aqueles que se distinguiam na arte de forjar metais. Os sobrenomes mais comuns que se dão a Vulcano, ou Hefœstos, são: Lênio (o Leniano), Mulciber (o que maneja o ferro), Etnæus (do Etna), Tárdipes (o que anda devagar), Junonígena (filho de Juno), Crisor (brilhante), Colapódion (que tem os pés tortos, zambros, coxos), Anfigies (que coxeia dos dois pés) etc.

Nos antigos monumentos representam esse deus barbado, com a cabeleira um pouco descuidada, meio coberto por uma veste que só lhe chega um pouco acima do joelho, trazendo um gorro redondo e pontudo. Com a mão direita segura um martelo e com a esquerda as tenazes. Se bem que, segundo a fábula, ele fosse coxo, os artistas suprimiam esse defeito ou o faziam apenas sensível.

Assim Vulcano se apresentava de pé, mas sem nenhuma deformidade aparente. Os poetas colocavam a morada habitual de Vulcano em uma das ilhas Eólias, coberta de rochedos, cujo cimo vomita turbilhões de fumo e chama. Do nome dessa ilha, antigamente chamada Vulcânea, hoje Vulcano, veio o nome de Vulcão.

 

Tipo e Atributos de Vulcano

Os poetas representam Vulcano com as feições de um hábil ferreiro, mas ao mesmo tempo burlesco no aspecto, assaz ridículo aos olhos dos Olímpicos, corcunda e de conformação viciosa. Nos tempos primitivos, era representado sob a forma de anão, mas nos belos tempos da arte passou a ser homem vigoroso e barbudo, com um capacete cônico tendo como atributos as ferramentas de ferreiro.

“Os que vão a Atenas, diz Valério Máximo, ali admiram a estátua de Vulcano feita por Alcamene. Entre as demais perfeições que imediatamente nos dispõem em favor do artista, notamos em primeiro lugar a arte com a qual ele dá a entrever a atitude torta do deus sob as próprias vestes que servem para lhe ocultar a imperfeição: não parece ser defeito que ele haja pretendido censurar em Vulcano, mas apenas um sinal distintivo, próprio a dá-lo a reconhecer como deus do fogo”.

Vulcano fabricara a primeira mulher, Pandora, como Prometeu fizera o primeiro homem. É o divino obreiro do Olimpo, e os deuses lhe deviam quase tudo o de que se utilizavam.

A égide e o cetro de Júpiter, o trono do Sono, a coroa de Ariadne, o colar da Harmonia, os touros de bronze que guardavam o velocino de ouro, as armas de Aquiles, eram trabalhos de Vulcano. Era ele, ademais, autor do carro do Sol, e fizera para Apolo uma admirável flecha que, após atingir o alvo, voltava por si à mão que a havia lançado.

 

Vingança de Vulcano

Para vingar-se dos pais que tão duramente o tinham tratado, Vulcano imaginou o fabrico de uma cadeira de ouro, da qual, quem nela se sentasse, só se levantaria com a sua permissão. Juno, que não conhecia o segredo, sentou-se e Vulcano não quis livrá-la.

Uma curiosa pintura de vaso nos apresenta Juno sentada e Marte atacando Vulcano para libertar sua mãe. Vulcano não tinha forças para lutar contra o deus da guerra, e foi obrigado a ceder, mas a sua irritação foi tal que não mais quis voltar ao Olimpo.

Os deuses afligiram-se com aquela resolução que os privava de todas as belas obras que lhes fazia Vulcano. Baco resolveu levá-lo de novo ao céu e embriagou-o.

 

Os Fios de Vulcano

Na Odisséia, Vulcano é marido de Vênus. Outras tradições fazem, pelo contrário, de Vênus, mulher de Marte. Como os deuses tinham nas diversas localidades lendas diferentes e por vezes contraditórias, a poesia, vendo Vênus unida a Marte, ou unida a Vulcano, pretendeu conciliar as várias tradições por meio de um adultério, e daí saiu a história dos fios de Vulcano.

Hesíodo dá por esposa a Vulcano Aglé, a mais jovem das Graças. Mas a história dos fios de Vulcano prevaleceu e faz que as outras sejam esquecidas. O que é notável nessa história é que Vulcano parece unicamente preocupado com os presentes que trouxe como dote à mulher e que ele pretende reaver.

O Sol que vê tudo advertiu Vulcano das ligações existentes entre sua mulher e o deus da guerra. Vulcano, então, coloca sobre um cepo uma enorme bigorna e forma grilhões indestrutíveis.

Essas cadeias eram finas como teias de aranha, e ninguém conseguia percebê-las, tal a habilidade com que haviam sido feitas. Mal Vulcano viu os dois culpados enredados nos fios, pôs-se a chamar todos os deuses.

“Poderoso Júpiter, e vós, imortais afortunados, acorrei para testemunhardes uma interessante cena que ninguém poderia, no entanto, tolerar! Visto que eu sou disforme, a filha de Júpiter me ultraja sem cessar; agora, une-se ao pernicioso deus da guerra, por ser ele belo e esbelto, ao passo que eu sou feio e corcunda!

Meus pais são os únicos culpados desta desgraça; jamais deveriam ter-me posto no mundo!… Os laços que forjei para eles hão de retê-los até o dia em que o pai de Vênus me devolver todos os presentes que lhe dei para conquistar-lhe a impudente filha. Vênus é bela, sem dúvida, mas não consegue dominar as suas paixões”. (Homero)

Embora tal narração seja apresentada sob forma cômica, convém notar que é a confusão dos amantes que leva os deuses a rir, e não a desventura do esposo, como facilmente se supõe hoje.

 

Os Ciclopes

Os ciclopes, obreiros de Vulcano, são habitualmente caracterizados pela enormidade do vulto e pelo único olho, posto no meio da testa. Entretanto, Albane afastou-se muito desse tipo. Incumbido de pintar os quatro elementos para o cardeal de Sabóia, escolheu Vulcano e a sua forja para representar o fogo. Mas o seu quadro nada possui de terrível.

Eis um fragmento da carta que ele escreveu ao cardeal para lhe anunciar o envio do quadro pedido.

Pintei, como Vossa Alteza verá, não somente o fogo celeste e propriamente elementar, representado pelo poderoso Júpiter, senão também o fogo material e o do Amor, de que Vulcano e a deusa de Chipre são os emblemas: não quis colocar as forjas de Vulcano nem Brontes, nem os demais ciclopes; preferi fixar três jovens Amores, visto que a carne de meninos dessa idade constituem interessante oposição às amorenadas de Vulcano.

Tive, também, de me conformar nessa escolha ao desejo de Vossa Alteza sereníssima, pois o embaixador me dissera que conviria representasse eu grande número de Amores ferindo com as suas setas irresistíveis o mármore mais duro, o aço, o diamante e o próprio coração dos deuses.

Noutro quadro Albane coloca Vulcano al lado de Vênus. A sua oficina já não é uma forja, mas um prado coberto de flores. Os seus obreiros não são mais os robustos ciclopes, e o ruído dos seus martelos é temperado pelo das cascatas.

Enquanto na entrada de uma gruta recoberta de usgo, um deles aciona o fole, outros apresentam a Vênus as armas que acabam de fabricar para ele e para o filho: essas armas são naturalmente setas. A deusa, deitada descuidadamente à sombra dos bosquetes, sorri para tudo quanto a rodeia e seu esposo, o rude Vulcano, que repousa ao seu lado, busca tornar-se amável para não prejudicar o quadro.

Os ciclopes sempre foram considerados como personagens formidáveis. Quando Diana quis ter uma aljava e setas dignas da sua habilidade, foi visitar Vulcano que ela encontrou na forja rodeado pelos ciclopes seus obreiros.

As ninfas empalideceram à vista de tais gigantes semelhantes a montanhas e cujo olho único, sob espessa sobrancelha, brilhava ameaçadoramente.

Uns faziam gemer imensos foles; outros, levantando os pesados martelos, batiam furiosamente o bronze que tiravam da fornalha. A bigorna estremece, o Etna e a Sicília tremem, a Itália ecoa o estrondo e a própria Córsega se sacode.

Àquele terrível espetáculo, àquele medonho fragor, as filhas do Oceano ficam estarrecidas… e trata-se, aliás, de um estarrecimento perdoável; as próprias filhas dos deuses, na sua infância, só encaram tais gigantes com temor, e quando se recusam a obedecer, suas mães fingem chamar Arges ou Steropes:

Mercúrio acorre com as feições de um desses ciclopes, de rosto coberto de cinza e fumaça; imediatamente, a criança, terrorizada, cobre os olhos com as mãos e se atira tremendo ao seio materno. (Calímaco)

 


Referências Bibliográficas

BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Petrópolis: Vozes, 7.ª edição, Vol. I, 1991.

BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Petrópolis: Vozes, Vol. III, 4.ª edição, 1992.

BULFINCH, Thomas. A Idade da Fábula. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1965.

BURN, Lucilla. O Passado Lendário – Mitos Gregos. São Paulo: Moraes, 1992.

CERAM, C.W. Deuses, Túmulos e Sábios. São Paulo: Melhoramentos, 19.ª edição, 1989.

COMMELIN, P. Mitologia Grega e Romana. Rio de Janeiro: Tecnoprint.

DUMÉZIL, Georges. Jupiter Mars Quirinus, essai sur la conception indo-européenne de la société et sur les origines de Rome. Paris, Gallimard, 1941.

ELIADE, Mircea. História das Crenças e das Idéias Religiosas. Tradução de Roberto Cortes de Lacerda. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1978, tomo I, vol. II, p. 15.

MÉNARD, René. Mitologia Greco-romana. São Paulo: Opus, Volumes I, II, III, 1991.

 

© Texto Produzido Por Rosana Madjarof – 1999 – Respeite os Direitos Autorais

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