Plotino
Plotino nasceu em Licópolis, no Alto Egito, e, aos 28 anos, dirigiu-se para Alexandria onde seguiu as lições do platônico Amônio Sacas, que o “converteu” à filosofia (pois, na escola neoplatônica, assim como entre os estóicos, a filosofia não era simples disciplina teórica, mas escola de vida espiritual, destinada a transformar inteiramente a alma, e purificá-la, a voltá-la para as realidades sublimes).
Em 243, a fim de conhecer a filosofia dos persas, Plotino engajou-se no exército do imperador Giordano; sobrevivendo aos seus desastres, estabeleceu-se definitivamente em Roma, onde abriu uma escola. Aí, uniu às práticas ascéticas (“Tinha vergonha de estar num corpo”, dirá seu discípulo Porfírio a seu respeito) um ensino muito brilhante.
Porfírio anotou e publicou seus cursos. O conjunto compreende cinquenta e quatro tratados agrupados em seis Enéadas (isto é, grupos de nove).
A doutrina fundamental de Plotino é a das três hipóstases, isto é, das três substâncias, das três realidades eternas – embora elas derivem, em termos plotinianos, embora elas procedam uma das outras.
1.— A realidade suprema, o Deus de Plotino, é o Uno, o qual não é o conhecimento (uma vez que este supõe a dualidade do sujeito cognoscente e do objeto cognoscível – nem o Ser, mas antes a fonte inefável de todo ser e de todo pensamento.
Ele é todas as coisas e nenhuma delas. É aquilo de que promana toda existência, toda vida e todo valor, mas ele próprio é de tal ordem que nada podemos afirmar a seu respeito, nem a vida, nem a essência; é superior a tudo e fonte absoluta de tudo.
2.— Por que existem outras hipóstases? Por que esse Deus plotiniano, por que o Uno não é único, por que se degrada na multiplicidade? É certo que não está submetido a qualquer necessidade, não pode desejar coisa alguma – pois, desejar é sentir falta de algo, e ele é plenitude.
Mas o Uno é riqueza infinita, generosidade sublime. A perfeição suprema se difunde em si mesma, tende a engendrar outros seres que se lhe assemelham, ainda que menores. Assim como de um fogo ardente as chamas se irradiam, assim ocorre com os seres emanados do Uno.
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O primogênito de Deus é o Logos, a Inteligência. Essa Inteligência é o princípio de toda justiça, de toda virtude e, o que é capital para Plotino, de toda beleza. A Inteligência é que faz a realidade ter uma forma, na medida em que ela é coerente e harmoniosa, na medida em que ela é Beleza (nesta segunda hipóstase encontramos algo das Idéias de Platão e do pensamento que se pensa de Aristóteles).
3.— Da Inteligência procede a Alma, terceira hipóstase (que evoca o tema platônico da alma do mundo, assim como o deus cósmico dos estóicos). A Alma é a mediação entre a Inteligência, da qual ela procede, e o mundo sensível, cuja ordem é constituída por ela. As almas individuais emanam dessa alma universal. A alam humana também é uma parcela do próprio Deus presente em nós.
Abaixo das três hipóstases, o mundo material representa o último estágio dessa “difusão” divina, o ponto extremo onde morre a luz; é aqui que encontramos a opacidade da carne, o peso da matéria, as trevas do mal.
Todavia, enquanto o Uno dispersou-se, obscureceu-se, abismou-se no múltiplo, este último aspira à reconquista da unidade, à luz e ao repouso na fonte sublime. Ao movimento de procedência corresponde o impulso de conversão pelo qual a alma, caída no corpo, obscurecida no mal, se assume e tenta se elevar até o Princípio original.
Reservemo-nos, todavia, de ver no plotinismo um dualismo gnóstico. O próprio Plotino escreveu um tratado contra as seitas gnósticas.
Para ele, não existe um mundo do mal, rival do mundo do bem. O mal, para Plotino, nada tem de uma substância positiva: “O mal não é senão o apequenamento da sabedoria e uma diminuição progressiva e contínua do bem”. A alma que dizem prisioneira do mal é apenas uma alma que se ignora, é, como diz Plotino, uma luz mergulhada na bruma.
O mal não é uma substância original, é só o procurado pelo reflexo do bem que fracamente ainda brilha nele. Nesse sentido, livrar-se do mal, para Plotino, não é, como para os gnósticos, destruir um universo para dar nascimento a outro, mas antes encontrar a si mesmo em sua verdade.
Não esqueçamos que é a leitura de Plotino que, um dia, arrancará o jovem Agostinho de suas crenças dualistas abeberadas no maniqueísmo.
Essa filosofia, no entanto, não é absolutamente nova. Já no Timeu de Platão está colocada a questão de uma gênese do mundo; por outro lado, a conversão plotiniana lembra a dialética ascendente de Platão.
Em ambos os métodos de purificação, a idéia do Belo desempenha importante papel. Todavia, a obra de Plotino possui uma tônica de misticismo que é nova; sente-se aí, como até então não se sentira ainda, o desejo e o esforço de uma alma que quer se encontrar e ao mesmo tempo se perder no Uno universal e inefável.
Esse arrebatamento da alma, esse êxtase foi que impressionou Bergson ao ler as Enéadas, o que explica o fato de o autor das Duas Fontes Ter colocado Plotino acima de todos os filósofos.
A Gnosiologia
A gnosiologia de Plotino é semelhante à de Platão, pela desvalorização da sensibilidade como aparência, opinião, com respeito ao pensamento.
A sensação representa o primeiro grau de conhecimento humano, manifestando-se nela obscuros vestígios da verdade. Segue-se, superior à sensibilidade, a razão: conhecimento mediato, discursivo, dialético, demonstrativo, que atinge as idéias, as essências das coisas.
A razão é a atividade do espírito, que conhece enquanto vem iluminado pelo pensamento propriamente dito, o qual é superior ao espírito.
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À razão segue-se o pensamento imediato, que é autocontemplação do espírito pensante. Nesse grau de conhecimento o espírito compreende, ao mesmo tempo, a si e as coisas.
É conhecimento intuitivo, imediato, não discursivo e sucessivo. Também o pensamento – o intelecto – representa uma atividade do espírito humano participada do pensamento absoluto, isto é, da Inteligência – noûs.
O pensamento absoluto, a inteligência, o noûs, em si mesmo, está sempre em ato de conhecer, e nunca erra; mas, no espírito humano, o pensamento vem a ser intermitente e sujeito ao erro, precisamente pelo fato de ser, nele, o conhecimento participado.
O conhecimento humano, finalmente, se completa e atinge a sua perfeição no êxtase, que é identificação do espírito humano com o espírito absoluto, o Uno, Deus, em que o espírito humano se torna passivo, inconsciente.
A Metafísica
Como os graus de conhecimento são quatro – sensibilidade, razão, intelecto, êxtase – assim quatro são os graus do ser : matéria, alma, noûs, Uno. O Uno, Deus – segundo Plotino – é a raiz de todo ser e de todo conhecer, tudo depende dele.
No entanto, transcende toda essência e todo o conhecimento, de sorte que é inteiramente indeterminado e inefável, e em torno dele pode-se dizer apenas o que não é – teologia negativa.
O universo deriva de Deus, não por criação consciente e livre, mas por emanação inconsciente e necessária, que procede de Deus degradando-se até à matéria. Deus certamente transcende o mundo, mas o mundo é da sua mesma natureza. A primeira emanação é representada pelo noûs, inteligência subsistente, intuitiva e imutável, que se conhece a si mesma e em si as coisas.
A segunda emanação do Uno é a alma ; ela procede do pensamento, como este procede do Uno. A alma contempla as idéias – que estão no noûs – e enforma a matéria, segundo o modelo delas. A alma universal, a alma do mundo, por sua vez se multiplica e especifica nas várias almas individuais, que estão em escala decrescente do céu até os homens.
Também Plotino sustenta que as almas humanas caíram de uma vida pré-mundana para o cárcere corpóreo; também ensina a metempsicose e a conversão. Com a alma termina o mundo inteligível, divino, e começa o mundo sensível, material. A matéria plotiniana, pois, não é apenas potencialidade, indeterminação, mas também mal, irracionalidade.
A Moral
Depois da descida – a emanação das coisas do Uno – há a subida, a conversão do mundo para Deus. Efetua-se ela através do homem, microcosmo, compêndio do universo. Nisto consiste a moral plotiniana, radicalmente ascética: libertação, purificação da matéria, do corpo, do sentido.
Os graus dessa libertação são representados, em linha ascendente, pelas virtudes éticas, dianoéticas – arte e filosofia -, culminando no êxtase.
A Religião
O neoplatonismo afirma certa transcendência de Deus, em que este é imaginado como o suprainteligível. Por isso, é inefável e pode ser atingido na sua plenitude unicamente mediante o êxtase, que é uma fulguração divina, superior à filosofia.
Com esta doutrina do êxtase, em que é afirmada uma relação específica com a Divindade, parece abrir-se o caminho para uma nova filosofia religiosa, para a valorização da religião positiva.
E outro caminho parece abrir-se na doutrina dos intermediários, que estão entre Deus e o homem, e por Plotino distintos em deuses invisíveis e visíveis, a que são assimiladas as divindades das religiões tradicionais.
Referências Bibliográficas:
DURANT, Will. História da Filosofia – A Vida e as Idéias dos Grandes Filósofos, São Paulo, Editora Nacional, 1.ª edição, 1926.
FRANCA S. J. Padre Leonel, Noções de História da Filosofia.
PADOVANI, Umberto e CASTAGNOLA, Luís. História da Filosofia, Edições Melhoramentos, São Paulo, 10.ª edição, 1974.
VERGEZ, André e HUISMAN, Denis. História da Filosofia Ilustrada pelos Textos, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 4.ª edição, 1980.
JAEGER, Werner. Paidéia – A Formação do Homem Grego, Martins Fontes, São Paulo, 3ª edição, 1995.
© Texto Produzido Por Rosana Madjarof – 1997 – Respeite os Direitos Autorais