Minerva e Encélades
Minerva deusa participou da guerra dos deuses contra os gigantes e contribuiu poderosamente para a vitória de Júpiter. Entre os inimigos por ela vencidos, o mais importante é Encélades.
A força desse gigante era tal que, sozinho, poderia ter lutado contra todos os deuses juntos. Num momento em que Minerva se achava distante dos companheiros de armas, Encélades, percebendo que ela estava sozinha, dá um salto e posta-se-lhe na frente.
A deusa o vê sem empalidecer, reúne todas as forças e pegando com ambas as mãos a Sicília, atira-a sobre o gigante que fica esmagado sob a enorme massa.
A queda de Encélades termina a guerra dos gigantes: às vezes tenta ele remexer-se, e é o que produz os tremores de terra da região. A sua cabeça está situada sob o monte Etna, por onde vomita chamas, o que leva um poeta francês a dizer:
“Encelade, malgré son air rébarbatif, dessous le mont Etna fut enterré tout vif; là chaque fois qu’il éternue, un volcan embrase les airs, et quand par hasard il remue, il met la Sicile à l’envers”.
O tanque de Encéfales em Versalhes mostra o gigante do qual somente vemos a cabeça e os gigantescos braços no meio dos fragmentos de rochedos. Mas a luta de Minerva contra esse gigante, tal qual a descreveu a mitologia, tem sido raramente representada, por não ser do domínio da plástica.
Minerva e Tirésias
Virgem essencialmente casta, Minerva sempre vestida, e se os artistas dos últimos séculos a representam por vezes despida, notadamente no julgamento de Páris, é pela ignorância em que se encontram quase sempre dos caracteres distintivos da deusa.
Um único homem, o tebano Terésias, observou um dia Minerva no banho, e foi imediatamente ferido de cegueira, ou, segundo outros, metamorfoseado em mulher.
Pradier fizera um grupo de Minerva repelindo as setas de Cupido: a idéia era justa mitologicamente. Vênus ofendeu-se um dia pelo fato de seu filho nada poder contra a deusa ateniense:
“Vênus – Por que, pois, Amor, tu que venceste os demais deuses, Júpiter, Netuno, Apolo, Réa, e eu própria, tua mãe, po que poupas apenas Minerva? Contra ela o teu archote não tem fogo, a tua aljava não tem setas, tu não tens arco… Não sabes mais disparar uma seta?
Amor – Tenho medo dela, minha mãe. Ela é terrível, os seus olhos são terríveis, o seu aspecto imponente e viril. Todas as vezes em que avanço contra ela para lançar-lhe uma seta, ela me espanta agitando a sua pena; tremo e as setas me fogem das mãos.
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Vênus – Marte, por acaso, não é mais terrível? E, no entanto, tu o desarmaste e venceste.
Amor – Sim, mas ele próprio é que se oferece aos meus golpes; chama-os. Minerva, pelo contrário, sempre me fita com desconfiança; um dia quando por acaso voava para ela, segurando o archote:
“Se te aproximares de mim, disse-me, juro por meu pai que te varo com esta lança, pego-te pelo pé e atiro-te ao Tártaro, onde te dilacerarei com as minhas próprias mãos para matar-te.”
São essas as suas ameaças sem fim, e ao mesmo tempo lança sobre mim olhares furiosos; traz, ademais, sobre o peito uma cabeça horrorosa, cuja cabeleira é feita de víboras e que sempre me causa o maior terror. Creio estar vendo um fantasma e fujo mal a percebo”. (Luciano).
Minerva e Mársias
Segundo uma velhíssima lenda, Minerva, tendo encontrado um osso de cervo, dele se serviu para inventar a flauta. Mas notando que tal instrumento a obrigava a umas caretas que a afeavam, e que, quando pretendia tocar, as demais deusas se riam, atirou para longe a desastrada flauta, e proferiu a maldição mais terrível contra o que a recolhesse.
O frígio Mársias, que muito provavelmente pouco se importava com a divindade de Atena, não atribuiu a menor importância a tais imprecações, recolheu o instrumento e conseguiu tecá-lo com grande perfeição.
Havia na Acrópole de Atenas um grupo representando Minerva a golpear Mársias, por ter ousado recolher a flauta por ela atirada para longe e que ela desejava fosse esquecida para todo o sempre.
Num baixo-relevo, que está em Roma, vemos Minerva tocando a flauta dupla, e Mársias, sob a forma de um sátiro, a espreita para se apoderar do instrumento, no momento oportuno. Mais habitualmente, a deusa observa com atenção o que acaba de inventar.
A mesma razão que a obrigou a renunciar ao uso de tal instrumento, impedia que os escultores a representassem com uma figura deformada e careteira.
Minerva Higéia
Vimos a serpente aparecer entre os atributos de Minerva. Essa serpente é habitualmente o emblema de Erecteu, que foi criado pela deusa. Mas Minerva era, por vezes, invocada como protetora da saúde. Tinha então o nome de Minerva higéia, e a serpente que ao seu lado surge com uma taça que a deusa segura com a mão, como se a serpente estivesse perto da companheira de Esculápio.
Minerva Obreira ou Ergane
Minerva não é apenas guerreira. Dela é que nos vem a indústria, é por isso tem sido denominada Minerva obreira. Laboriosa tanto quanto guerreira, enriquece as cidades que a honram ao mesmo tempo em que as protege. Ama a agricultura, e ensinou aos homens o uso da oliveira: é por tal motivo que essa árvore lhe é consagrada e que vemos figurar uma lâmpada entre os seus atributos.
A arquitetura, a escultura, a mecânica cabem o domínio da deusa, que preside em geral a todos os trabalhos do espírito e da imaginação.
Está representada, com tal aspecto, mas conservando o seu costume de guerra, num interessante baixo-relevo, onde a vemos dirigir, com os seus conselhos, um jovem escultor que cinzela um capitel, e outros obreiros que lidam com uma máquina; Júpiter e Diana estão atrás dela e seguidos de uma sacerdotisa fazendo uma libação, e de uma grande serpente de cabeça de bode que representa o gênio do teatro, como indica a inscrição mutilada que se lê acima.
A de baixo diz: “Lucéio Pecularis, empreiteiro do proscênio, mandou colocar este baixo-relevo votivo segundo um sonho tido”.
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As principais atribuições de Minerva ergane estão resumidas num passo de Artemidoro
“Minerva é favorável aos artesãos, em virtude do seu apelido de obreira; aos que desejam contrair núpcias, pois pressagia que a esposa será casta e apegada ao lar; aos filósofos, pois é a sabedoria nata do cérebro de Júpiter.
É ainda favorável aos lavradores, porque tem uma idéia comum com a terra; e aos que vão à guerra, porque tem uma idéia comum com Marte”.
Foi Minerva obreira que inventou as velas dos barcos e a ela se deve a construção do famoso navio Argos. Mas é, sobretudo, pelos tecidos e trabalhos das mulheres que Minerva assume importância toda especial, e tem por atributo a roca. É também especialmente invocada pelas obreiras que preparam os tecidos, como se pode ver neste trecho da Antologia:
“Ó Minerva, as filhas de Xuto e de Melita, Sátira, Heracléia, Eufro, todas três de Samos, te consagram uma a sua longa roca, com o fuso que obedecia aos seus dedos para se incumbir dos fios mais soltos; outra a sua lançadeira harmoniosa que fabrica as telas de tecido cerrado; a terceira o seu cesto com os lindos novelos de lã, instrumentos de trabalho que, até a velhice, lhes sustentaram a laboriosa vida. Eis, augusta deusa,, as ofertas das tuas piedosas obreiras”.
Minerva e Aracne
Os tecidos constituíam um dos ramos mais importantes da indústria dos atenienses; mas as fábricas da Ásia, célebres em todas as épocas, sobrepujavam em delicadeza as cidades gregas, cujos tecidos menos delicados eram provavelmente mais sólidos. Foi o que deu origem à lenda que nos pinta a rivalidade entre Minerva e Aracne.
Aracne não era ilustre pelo nascimento, mas o seu talento e a sua industriosidade a haviam tornado famosa.
Seu pai era tintureiro de lã na cidade de Colonon, e ela adquirira tal reputação em todas as cidades da Lídia pela beleza dos seus trabalhos, que as ninfas do Tmolo e do Pactolo abandonavam as águas límpidas e os deliciosos bosquetes para lhe admirar os trabalhos da agulha.
Sabia fiar e fazer a lã, e embelezava os seus tecidos com desenhos encantadores realçados por todas as cores do arco-íris. Envaidecia-se, porém, de tal modo com o seu talento, que por toda parte apregoava não ter receio de desafiar a própria Minerva.
A deusa, ferida por tal intento, assumiu o aspecto de uma anciã, cobriu de cabelos brancos a cabeça, e, indo procurar Aracne, censurou-a em termos amigáveis pela inconveniência da pretensão de uma simples mortal de se comparar a uma deusa, e, sobretudo, à deusa da qual procede toda a indústria humana.
Aracne ofendeu-se, acolheu muito mal a anciã, que assim lhe falava, e, fitando-a de sobrolho carregado, avançou para ela disposta a golpeá-la, dizendo que, se Minerva se apresentasse, saberia muito bem confundi-la, mas que a deusa não ousaria, certamente, empreender uma luta que lhe seria desvantajosa.
Minerva, diante daquelas palavras, reassume o seu verdadeiro aspecto e declara que aceita o desafio. Ei-las a prepararem os trabalhos, a disporem os tecidos e a iniciarem o mister. Já corre a lançadeira com incrível rapidez, e o desejo que ambas experimentam de vencer redobra a atividade.
Para tornarem o trabalho mais perfeito, cada uma delas desenha velhas histórias. Minerva representou no seu a disputa mantida com Netuno em torno do nome que deveria ser usado pela cidade de Atenas. Aracne houve por bem fixar histórias que não podiam deixar de ser desagradáveis às divindades do Olimpo grego.
Viam-se as metamorfoses dos deuses, e as suas intrigas amorosas figuradas de tal modo que nenhum prestígio lhe advinha. Mas o trabalho de Aracne foi executado com tal delicadeza e tão incrível perfeição que Minerva não logrou descobrir sequer o menor defeito.
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Esquecida, então, de que era deusa, para só se lembrar do despeito provado por ser igualada em finura por uma simples mortal, Minerva rasgou o tecido da rival, que imediatamente se enforcou de desespero.
Minerva, tomada de piedade, sustentou-a no ar, para impedir que se estrangulasse, e disse-lhe: “Viverás, Aracne, mas ficarás para sempre pendurada desta maneira; será o castigo teu e de toda a tua posteridade”.
Ao mesmo tempo, Aracne sentiu que a cabeça e que o corpo lhe diminuíam de volume; mingudas patas lhe substituíram os braços e as pernas, e o resto do corpo se transformou num enorme ventre. A partir de então, as aranhas sempre continuaram a fiar, e a indústria humana até hoje não conseguiu igualar a finura dos seus tecidos. (Ovídio).
É fácil notar que esta lenda, na qual Minerva não revela absolutamente um bom caráter, tem a sua origem nas cidades gregas da Ásia.
Aracne, que é lídia, mostra, aos olhos dos gregos, uma singular audácia ao se comparar com a ateniense Minerva, mas os tecidos do Oriente eram inimitáveis, e procurados anciosamente em todos os mercados da Grécia; não é no terreno do trabalho que Aracne é vencida, é apenas mediante um resultado do poder divino, de que se acha dotada a adversária, igual, senão superior a ela em talento.
A Festa das Panatenéias
A grande festa das Panatenéias celebrava-se em Atenas, em honra de Minerva (Atena), deusa tutelar da cidade, a quem ela devera o nome.
A festa compreendia diferentes exercícios, entre outros, corridas a pé e a cavalo, combates gímnicos, e concursos de música e poesia.
As lutas gímnicas se desenrolavam nas margens do Ilisso. A festa terminava por uma grande procissão figurada no friso da cela do Parthenon.
O objetivo religioso da festa era cobrir a deusa de um véu novo em substituição ao que fora gasto pelo tempo. Mas o objetivo político era muito outro; tratava-se de mostrar que Minerva era ateniense pelo coração, e que ninguém podia invocar-lhe a proteção, se não fosse amigo de Atenas.
No monumento, vemos a sacerdotisa recebendo duas jovens virgens que lhe entregam objetos misteriosos. As jovens são crianças, pois segundo os ritos não podiam ter menos de sete anos nem mais de onze.
“Durante a noite que precede a festa, diz Pausânias, põem elas sobre a cabeça o que a sacerdotisa lhes ordena que carreguem. Ignoram o que se lhes dá; aquela que lhes dá os objetos misteriosos também nada sabe.
Há na cidade, perto da Vênus dos jardins, um recanto em que se acha um caminho subterrâneo cavado pela própria natureza. As jovens descem por aí, depõem o fardo, e em troca recebem outro, cuidadosamente coberto.
O precioso fardo contém a velha vestimenta, e o que elas trazem de volta encerra a nova. Como a cena se desenrola de noite, uma delas empunha um archote.”
Enquanto a sacerdotiza recebe a nova vestimenta da deusa, o grão-sacerdote, assistido por um jovem rapaz, se ocupa em dobrar o antigo peplo.
O público não assiste à misteriosa cena do santuário, mas os deuses, espectadores invisíveis, estão sentados e dispostos em grupos simétricos.
Entre eles, depara-se-nos Pandrosa, recoberta do véu simbólico que caracteriza o sacerdócio; mostra ela ao jovem Erecteu, ajoelhado, a cabeça da procissão que avança em direção ao santuário.
Vem antes um grupo de anciãos de andar grave, todos envoltos nos seus mantos e quase todos a se apoiarem nos seus bordões. São os guardas das leis e dos ritos sagrados, pois alguns parecem dar instruções às jovens virgens atenienses que os seguem.
Trazem estas com gravidade o candelabro, o cesto, os vasos, as páteras e os demais objetos destinados ao culto. Depois das atenienses, surgem as filhas dos forasteiros fixados em Atenas.
Não têm o direito de carregar objetos tão santos, mas seguram nas mãos os assentos dobradiços que servirão os canéforos. Vêm, depois, os arautos e os ordenadores da festa, que precedem os bois destinados ao sacrifício, seguidos dos meninos que conduzem um carneiro.
Desfilam alguns homens que seguram bacias e odres cheios de azeite. Finalmente os músicos que tocam flauta ou lira, e um grupo de anciãos, todos empunhando um ramo de oliveira.
Começa, então, o desfile dos carros puxados por quatro cavalos e o longo cortejo dos cavaleiros. Sabia-se que Minerva ensinara aos homens a arte de domar os cavalos e de os atrelar ao carro, e a festa era sempre acompanhada de jogos eqüestres.
Todos conheciam, pelos moldes, a famosa cavalgata do Parthenon. Um cortejo de jovens, cuja clâmide flutua ao vento, doma os cavalos tessalienses que se empinam e lhes resistem.
Os prêmios concedidos aos vencedores nos jogos realizados em honra de Minerva consistiam ordinariamente em ânforas cheias de azeite. Era um modo de lembrar que a deusa plantara a oliveira que constituía a grande riqueza da Ática.
O museu do Louvre possui vários desses vasos, chamados panatenaicos. Têm eles interessantes decorações, nas quais vemos Minerva de pé, brandindo a lança e segurando o escudo. A figura está concebida no estilo tradicional das antigas figuras de estilo arcaico. Está situada entre duas colunas que suportam, cada uma, um galo.
O galo era, com efeito, consagrado a Minerva obreira; Creuzer nos explica a razão:
“O nome de ergane, diz ele, exprimiu a princípio o próprio trabalho, a tarefa diária, e parece ter-se aplicado primitivamente, com epíteto de Minerva, à proteção especial que a deusa dispensava às ocupações das mulheres.
Sob tal ponto de vista, era-lhe consagrado o galo; quando o canto dessa ave anuncia o retorno da Aurora, relembra-nos ao mesmo tempo o culto de Minerva ergane e de Mercúrio agoreu, ou seja, os trabalhos da indústria e do comércio”.
Referências Bibliográficas:
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BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Petrópolis: Vozes, Vol. III, 4.ª edição, 1992.
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BURN, Lucilla. O Passado Lendário – Mitos Gregos. São Paulo: Moraes, 1992.
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DUMÉZIL, Georges. Jupiter Mars Quirinus, essai sur la conception indo-européenne de la société et sur les origines de Rome. Paris, Gallimard, 1941.
ELIADE, Mircea. História das Crenças e das Idéias Religiosas. Tradução de Roberto Cortes de Lacerda. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1978, tomo I, vol. II, p. 15.
MÉNARD, René. Mitologia Greco-romana. São Paulo: Opus, Volumes I, II, III, 1991.
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