Pensamento Indiano
Assim como entre os homens são raros os verdadeiros filósofos, também entre os povos são raros os que têm uma inclinação quase natural para a filosofia. No imenso e multiforme continente da Ásia, tal privilégio cabe à Índia, cujo pensamento representa a primeira das quatro grandes tradições filosóficas da humanidade.
Comumente – falando do Oriente – costuma-se mencionar também a filosofia chinesa, a persa, a egípcia etc. Mas o pensamento chinês, ainda que possa competir com o pensamento indiano pela amplitude histórica, na realidade é eclético e prático-humanista, ao passo que o pensamento indiano é metafísico e transcendente.
No taoísmo¹ procura-se harmonizar o homem com a natureza.
No confucionismo² procura-se harmonizar a natureza com o homem. O pensamento irânico não passa de um esboço de pensamento religioso, bem como o pensamento egípcio, embora se apresente com a profunda seriedade de uma concepção da vida que é uma meditação sobre a morte e uma celebração do além-túmulo.
A característica que mais impressiona e maior valor tem no pensamento indiano, é o sentido profundo do problema da vida e do mal, e a conseqüente desvalorização do mundo empírico em que domina o sofrimento e a morte.
Compreende-se, portanto, a desvalorização indiana da moderna civilização ocidental, imanentista e humanista, ainda que a Índia deva a sua relativa organização política, econômica e comercial ao império inglês; e compreende-se também a sua desestima da moderna ciência técnica voltada para o domínio do mundo e para o bem-estar material sem se preocupar com a solução dos grandes e eternos problemas do espírito, morais e religiosos.
Por isso, a Índia se escandaliza com a idolatria que o mundo contemporâneo manifesta com a força bruta, tampouco conciliável com o cristianismo.
Isto não quer dizer que o pensamento indiano tenha achado a solução de um problema tão seriamente sentido. Com efeito, a filosofia indiana não deu essa explicação, devido ao fato de que, fundamentalmente, o mundo e a vida que deveriam ser explicados, fazem parte do Absoluto que deve explicar o problema da vida e, assim, dar sossego ao espírito humano.
Esse Absoluto não pode dar explicação ao mundo e à vida, tendo a mesma natureza que eles. Além disso, o monismo indiano, devendo logicamente finalizar no ateísmo por confundir o mundo com Deus, é absolutamente incapaz de explicar o mundo e a vida.
Pode-se considerar uma conseqüência do acosmismo (e moralismo) indiano a ausência de uma filosofia acabada e ordenada, qual explicação teorética, crítica e sistemática, do mundo. E também pode-se considerar uma conseqüência do acosmismo (e moralismo) indiano a falta de uma arte, de uma ciência, de uma história indiana, visto precisamente o desprezo, a nulificação indiana do mundo fenomênico, empírico, natural, sensível.
A solução racional do problema da vida será, fundamentalmente, oferecida pelo pensamento grego, platônico-aristotélico, que reconhece a realidade do mundo a explicar, e a realidade de Deus que o deve explicar. E, integralmente, será oferecida essa explicação pelo pensamento cristão.
Este levará logicamente o dualismo grego ao teísmo, e completará o teísmo com os dogmas revelados da queda original e da redenção pela cruz, sem os quais o problema da vida e do mal não pode ser verdadeiramente explicado.
No entanto, cabe ao pensamento indiano o valor particular – na história do pensamento humano – de ter sentido o mundo e a vida como problemas, especialmente por causa do mal e do sofrimento, e o mérito de ter afirmado e praticado a renúncia, a ascética, para a salvação do homem.
A filosofia indiana, como a filosofia grega, surge da religião ou, melhor, da mitologia. Mas, enquanto a filosofia grega, no seu desenvolvimento, se afasta criticamente da tradição religiosa e se torna poderosamente individualista, a filosofia indiana fica, pelo contrário, substancialmente ligada à tradição religiosa e é, geralmente, obra coletiva.
Os princípios da filosofia indiana são anteriores ao pensamento grego, podendo ser colocados pouco depois do ano 1000 a.C.; e também o seu termo é posterior ao do pensamento grego, porquanto a filosofia indiana chega, mais ou menos, até o ano 1000 d.C.
¹ O Taoísmo é uma das três religiões oficiais da China. Segundo os críticos, o Taoísmo seria um amálgama de antigas crenças sistematizadas no livro Tao-te-King por Lao-tsé (séc. VI a.C.). Cf. Giuseppe TUCCI, Storia dela filosofia cinese antica, Bologna, 1922.
² Confucionismo é uma das três religiões oficiais da China. Seu fundador é Kong-fu-tse, vulgarmente Confúcio (551-478 a.C.). O pensamento de Confúcio ataca o espírito especulativo de Lao-tsé. As obras de Confúcio – I-King, Ta-Hsüe, Chung-Yung – têm mais caráter religioso e moral do que filosófico. Cf. G. TUCCI, ob. cit.
Referências Bibliográficas:
BURN, Lucilla. O Passado Lendário – Mitos Gregos. São Paulo: Moraes, 1992.
CERAM, C.W. Deuses, Túmulos e Sábios. São Paulo: Melhoramentos, 19.ª edição, 1989.
DUMÉZIL, Georges. Jupiter Mars Quirinus, essai sur la conception indo-européenne de la société et sur les origines de Rome. Paris, Gallimard, 1941.
PADOVANI, Umberto e CASTAGNOLA, Luís. História da Filosofia, Edições Melhoramentos, São Paulo, 10.ª edição, 1974.
© Texto Produzido Por Rosana Madjarof – 16/06/2011 – Respeite os Direitos Autorais