O Idealismo Religioso de Schleiermacher
A Schelling pode-se ligar Schleiermacher, porquanto ele também é ligado estritamente ao movimento romântico, e é, portanto, filósofo do Romantismo, embora muito inferior a Schelling como metafísico.
Juntamente com o Romantismo, Schleiermacher procura valorizar, justificar a religião, desprezada e expulsa da vida do espírito pelo racionalismo iluminista. Schleiermacher teve uma influência vasta e duradoura sobre o protestantismo liberal alemão, elucidando o princípio da experiência interior, elemento germinal da Reforma luterana.
É, porém, uma valorização no sentido imanentista, idealista, de sorte que a religião se torna necessariamente e ainda mais radicalmente demolida.
Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher nasceu em Breslau, em 1768. Foi professor em Halle e Berlim, onde faleceu em 1831. As suas obras principais, em ordem cronológica, são: Discursos sobre a Religião; Monólogos; Crítica das Doutrinas; A Fé Cristã. Estes críticos têm um interesse religioso, mas implicam também numa concepção metafísica do mundo e da vida, mediante a qual o autor procura justificar a religião em geral e o cristianismo em especial.
A concepção filosófica de Schleiermacher é, fundamentalmente, a do idealismo romântico, isto é, do monismo imanentista. Embora Schleiermacher pense que não podemos conhecer nada a respeito de Deus, teoreticamente, repete de muitos modos que a realidade é una, e que o espírito humano na sua plena atualidade é a consciência de Deus imanente.
Segundo Schleiermacher, o Absoluto não é atingível por via prática, moral, como julgava Kant. Para Kant, a atividade que atinge o Absoluto é a vontade moral, a razão prática. Daí o primado da razão prática; daí ser a metafísica substituída pela moral; daí ser a religião reduzida aos limites da razão prática, isto é, resolvida na moral.
Mas o Absoluto não é atingível sequer por via teorética, racional, como julgava Hegel, dada a sua concepção panlogista-imanentista da realidade (toda a realidade é racional e toda a racionalidade é real): daí a lógica coincidir com a ontologia, a ética ser resolvida na dialética, e a religião aniquilada na filosofia.
O Absoluto – segundo Schleiermacher – é atingido pelo sentimento: não pelo simples sentimento entendido em sentido psicológico, que é uma atividade coordenada ao conhecimento e à vontade, e é, como o conhecimento e a vontade, secundário, dependente e limitado; mas pelo sentimento potenciado romanticamente em sentido metafísico, sentimento este que seria precisamente a faculdade do Absoluto, do Uno, e a raiz comum das outras atividades psíquicas.
Schleiermacher quer libertar a religião não só da ciência, mas também da moral, para celebrar uma religiosidade estética. Pensa ele – como Schelling – que o Absoluto é atingido mediante a intuição estética, a que Schleiermacher julga poder dar um específico valor religioso.
Schleiermacher sustenta que o conhecimento e a vontade – a ciência e a moral – não podem atingir o Absoluto, que é uno, porquanto o conhecimento e a vontade implicam a multiplicidade decorrente da relativa mudança dos estados de consciência e a dualidade de duas atividades, (sujeito e objeto), uma excluindo a outra. E julga que o privilégio de apreender a unidade metafísica do ser é devido ao sentimento, valorizado metafisicamente.
Que relação existe entre sentimento e religião, entre os quais Schleiermacher institui uma equação? O Absoluto não é atingido pelo conhecimento, pela ciência, e nem sequer pela vontade, pela ética, e sim pelo sentimento. E por que esta atividade deve ser considerada religiosa e não, por exemplo, estética? Schleiermacher parece proceder deste modo.
Segundo a experiência religiosa, ele define, não arbitrariamente, a religião como sendo a relação do finito com o infinito, porquanto, de fato, a relação do finito com o infinito não pode ser senão dependência absoluta, do sentimento. Ao sentimento ele reconhece o valor particular de imediata autoconsciência e transforma-o metafisicamente. E conclui finalizando na equação sentimento-religião, e, portanto, acaba admitindo o primado da religião.
E como se realiza uma relação, isto é, uma multiplicidade, no sentimento, que deveria ser a plena consciência do Absoluto? Propriamente pela referência do sujeito empírico – apreendido imediatamente pelo sentimento psicológico, pela consciência imediata do eu – ao Absoluto, ao Uno, ao Eu, o qual deveria ser apreendido pelo sentimento em sentido metafísico, que é abstrata unidade, indiferença absoluta.
Essa relação não é, evidentemente, como de criatura a Criador; mas como dualidade na unidade, uma expressão da distinção geral idealista entre eu empírico e eu transcendental.
Mediante a doutrina desses dois sentimentos, (empírico e metafísico), segundo Schleiermacher, seria explicada a relação religiosa; mas não se compreende como no Absoluto, que é uno, e no sentimento, que é a consciência do Absoluto, se determine essa dualidade. É o escolho fatal do monismo, contra o qual Schleiermacher em vão se bateu.
Parece, portanto, poder-se distinguir em Schleiermacher uma religiosidade em sentido amplo, como sentimento indeterminado da Unidade indeterminada, e uma religiosidade em sentido específico, que seria a referência das várias e mutáveis determinações da autoconsciência ao Absoluto, ao mais alto e mais puro Eu, que constitui a nossa essência. Nisto consistiria a religiosidade verdadeira e própria, segundo Schleiermacher.
A prescindir das críticas externas e internas que se podem fazer a essa construção metafísico-imanentista, estético-romântica, é certo que, para Schleiermacher, a religião ocupa o mais alto grau da atividade humana, assim como o sentimento ocupa o vértice da vida espiritual.
E como na vida espiritual o conhecimento e a vontade seriam secundários e derivados com respeito ao sentimento, assim na atividade religiosa a teoria e a prática, a doutrina e a moral, seriam expressões inadequadas e simbólicas da religiosidade.
A filosofia religiosa de Schleiermacher teve uma grande influência sobre o protestantismo liberal alemão do século XIX.
Referências Bibliográficas
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Coleção Os Pensadores. Immanuel Kant: Crítica da Razão Pura, Nova Cultural, São Paulo, 1999.
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