Apolo e Diana
Filhos de Júpiter e de Latona
Apolo e Diana são filhos de Júpiter e de Latona, personificação da Noite, divindade poderosa cuja união com Júpiter produziu o Universo. Segundo a tradição, Latona vê-se, em seguida, relegada ao segundo lugar e quase não aparece na mitologia a não ser como vítima de Juno. A Terra, por instigação de Juno, quis impedi-la de achar lugar onde pudesse dar à luz os filhos que trazia no seio.
Entretanto, Netuno, vendo que a infeliz deusa não encontrava abrigo onde quer que fosse, comoveu-se e fez sair do mar a ilha de Delos. Sendo essa ilha, a princípio, flutuante, não pertencia à Terra, que assim não pôde nela exercer a sua funesta ação.
Delos, diz o hino homérico, rejubilou-se com o nascimento do deus que atira os seus dardos para longe. Durante nove dias e nove noites, foi Latona dilacerada pelas cruéis dores do parto. Todas as deusas, as mais ilustres, reúnem-se-lhe em torno.
Dionéia, Réa, Têmis que persegue os culpados, a gemedora Anfitrite, todas, exceto Juno dos braços de alabastro, que ficou no palácio do formidando Júpiter. Entretanto, somente Ilitia, deusa dos partos, é que ignorava a nova; achava-se sentada no topo do Olimpo, numa nuvem de ouro, retida pelos conselhos de Juno, que sofria um ciúme furioso, porque Latona dos cabelos formosos iria certamente dar à luz um filho poderoso e perfeito.
Então, a fim de levarem Ilitia, as demais deusas enviaram de Delos a ligeira Íris, prometendo-lhe um colar de fios de ouro, com nove cúbitos de comprimento. Recomendam-lhe, sobretudo, que a advirta à revelia de Juno, de medo que esta a detenha com as suas palavras. Íris, rápida como os ventos, mal recebe a ordem, parte e cruza o espaço num instante.
Chegada à mansão dos deuses no topo do Olimpo, Íris persuadiu Ilitia, e ambas voam como tímidas pombas. Quando a deusa que preside aos partos chegou a Delos, Latona experimentava as mais vivas dores. Prestes a dar à luz, abraçava uma palmeira e os joelhos apertavam a relva mole.
Em breve nasce o deus; todas as deusas dão um grito religioso. Imediatamente, divino Febo, elas te lavam castamente, purificam-te em límpida água e te envolvem num véu branco, tecido delicado, que elas cingem com um cinto de ouro. Latona não aleitou Apolo de gládio resplendente. Têmis, com as suas imortais mãos, oferece-lhe o néctar e a divina ambrósia. Latona alegrou-se enormemente por ter gerado o valoroso filho que empunha um temível arco.
Apolo e Diana nasceram, pois, em Delos, e é por isso que Apolo se chama, freqüentemente, o deus de Delos.
Latona e a Serpente Pitão:
Entretanto Juno, não conseguindo perdoar à rival ter sido amada por Júpiter, instigou contra ela um monstruoso dragão, filho da Terra, chamado Delfíneo ou Pitão, que fora incumbido da guarda dos oráculos da Terra, perto da fonte de Castalia. Obedecendo às sugestões de Juno, Pitão perseguia sem cessar a infeliz deusa, que escapava da sua presença apertando entre os braços os filhos. Num vaso antigo, vemo-lo sob a forma de uma longa serpente que ergue a cabeça, desenrolando o corpo, e persegue Latona. A deusa teme, enquanto os filhos, que não percebem o perigo, estendem os bracinhos para o monstro.
Os Camponeses Carianos:
Quando Latona, perseguida pela implacável Juno, fugia com os dois filhos ao colo, chegou à Caria. Num dia de intenso calor, deteve-se aniquilada pela sede e pelo cansaço às margens de um tanque do qual não ousava aproximar-se. Mas alguns camponeses ocupados em arrancar caniços impediram-na de beber, expulsando-a brutalmente. A infeliz Latona rogou-lhes, em nome dos filhinhos, que lhe permitissem sorver umas gotas de água, mas eles a ameaçaram se não afastasse quanto antes, e turvaram as águas com os pés e as mãos, a fim de que a lama revolvida aparecesse à tona.
A cólera de que Latona se sentiu possuída fez com que se esquecesse da sede, e lembrando-se de que era deusa: “Pois bem, disse-lhes, erguendo as mãos ao céu, ficareis para sempre neste tanque”. O efeito seguiu de perto a ameaça, e aqueles desalmados se viram transformados em rãs. Desde então, não cessam de coaxar com voz rouca e de chafurdar na lama. Alguns lobos, mais humanos que os camponeses, conduziram-na às margens do Xanto, e Latona pôde fazer as suas abluções nesse rio, que foi consagrado a Apolo.
Rubens, no museu de Munich e Albane no Louvre possuem quadros em que vemos Latona e os filhos na presença dos camponeses de Caria, que a repelem e se transformam em rãs. Na fonte de Latona, em Versalhes, Balthazar Marsy representou a deusa, com os dois meninos, implorando a vingança do céu contra os insultos dos camponeses. Cá e lá, rãs, lagartos, tartarugas, camponeses e camponesas cuja metamorfose se inicia, lançam contra Latona jatos de água que se cruzam em todos os sentidos.
O Tipo de Apolo:
Esplendente é o epíteto que se dá a Apolo, considerado deus solar. Apolo atira ao longe as suas setas, porque o sol dardeja ao longe os seus raios. É o deus profeta, porque o sol ilumina na sua frente e vê, por conseguinte, o que vai suceder; é o condutor das Musas e o deus da inspiração, porque o sol preside às harmonias da natureza; é o deus da medicina, porque o sol cura os doentes com o seu benéfico calor.
Apolo, o Sol, o mais belo dos poderes celestes, o vencedor das trevas e das forças maléficas, tem sido representado pela arte sob vários aspectos. Nos tempos primitivos, um pilar cônico, colocado nas grandes estradas, bastava para lembrar o poder tutelar do deus. Quando nele se pendem as armas, é o deus vingador que premia e castiga; quando nele se pendura uma cítara, torna-se o deus cujos harmoniosos acordes devolvem a calma à alma agitada.
O Apolo de Amicleu, reproduzido em medalhas, pode dar uma idéia do que eram, na época arcaica, as primeiras imagens do deus, sensivelmente afastadas do tipo que a arte adotou mais tarde. Em bronzes de data menos antiga, mas ainda anteriores à grande época. Apolo está representado com formas mais vigorosas do que elegantes, e os anéis achatados da sua cabeleira o aproximam um pouco das figuras de Mercúrio.
No tipo que tem dominado, Apolo usa cabelos longuíssimos, separados por uma risca no meio da cabeça e afastados de cada lado da testa. Às vezes, eles se prendem atrás, na nuca, mas, outras, flutuam. Vários bustos e moedas nos mostram tais diferentes aspectos.
Apolo é sempre representado jovem e emberbe, porque o sol não envelhece. Algumas das suas estátuas o mostram até com os caracteres da adolescência, por exemplo, o Apollino de Florença. No Apolo Sauróctone, o jovem deus está acompanhado de um lagarto, que ele sem dúvida acaba de excitar com a flecha para o arrancar ao torpor e obrigá-lo a caminhar. Apolo, sem caráter, é considerado o sol nascente, ou o sol da primavera, porque a presença do lagarto coincide com os seus primeiros raios.
O grifo é um animal fantástico, que vemos freqüentemente perto da imagem do deus ou atrelado ao seu carro. Tem a cabeça e as asas de águia, com corpo, patas e cauda de leão. Os grifos têm por missão guardar os tesouros que as entranhas da terra ocultam, e é para obter o ouro de que são detentores, que os Arimaspes lutam constantemente contra eles. Os combates constituem o tema de grandíssimo número de representações, principalmente em terracotas ou em vasos. Os Arimaspes são guerreiros fabulosos, que usam vestes análogas às das amazonas.
Delfos, Centro do Mundo:
O sol vê antes dos homens porque produz a luz com os seus raios; é por isso que prevê o futuro e pode revelá-lo aos homens. Esse caráter profético é um dos atributos essenciais de Apolo; dá os seus oráculos no templo de Delfos, situado no centro do mundo. Ninguém duvida de tal fato, porque tendo Júpiter soltado duas pombas nas duas extremidades da terra, elas voltaram a encontrar-se justamente no ponto em que está o altar de Apolo. Assim, em vários vasos, vemos Apolo sentado no omphalos (o umbigo da terra), de onde dá os oráculos.
Delfos chama-se também às vezes Pito, do nome da serpente Pitão, que ali foi morta por Apolo.
Apolo, provido de temíveis setas, quis experimentá-las ferindo o perseguidor da sua mãe. Mal o monstro se sente atingido, é presa das mais vivas dores e, respirando com esforço, rola sobre a areia, assobia espantosamente, torce-se em todas as direções, atira-se ao meio da floresta e morre exalando o hálito empestado.
Apolo contentíssimo com o triunfo exclama: “Que o teu corpo seco apodreça nesta terra fértil; não serás mais o flagelo dos mortais que se nutrem dos frutos da terra fecunda, e eles virão imolar-me aqui magníficas hecatombes; nem Tifeu, nem a odiosa Quimera poderão arrancar-te à morte; a terra e o sol no seu curso celeste farão apodrecer aqui o teu cadáver.” (Hino homérico).
Aquecidos pelos raios do sol, o monstro começa a apodrecer. Foi assim que aquela região tomou o nome de Pito: os habitantes deram ao deus o nome de Pítio, porque em tais lugares o sol, os seus raios devoradores, decompôs o terrível monstro.
Segundo as narrações dos poetas, o fato deve ter-se verificado quando Apolo era ainda adolescente, mas o crescimento dos deuses não está submetido às mesmas leis que o dos homens, e quando os escultores representam a vitória de Apolo, mostram o deus com as feições de um jovem que já atingiu a plenitude da força. É o que se nos depara numa das maiores obras-primas da escultura antiga, o Apolo do Belvedere. Essa estátua, de mármore de Luni, foi descoberta no fim do século quinze, perto de Capo d’Anzo, outrora Antium, e, adquirida pelo papa Júlio II, então cardeal em vésperas de ser eleito para o pontificado, mandou ele a colocassem nos jardins do Belvedere.
Todas as fórmulas da admiração foram esgotadas diante do Apolo do Belvedere, e a estátua, desde que se tornou conhecida, não deixou de provocar o entusiasmo dos artistas.
A Disputa do Tripé:
Apolo, após matar a serpente Pitão, envolveu o tripé com a pele do monstro que, antes dele, possuía o oráculo. Uma medalha de Crotona nos mostra o tripé entre Apolo e a serpente: o deus dispara a seta contra o inimigo. Foi por ocasião dessa vitória que Apolo institui os jogos pítios.
Uma vivíssima disputa, freqüentemente representada nos baixos-relevos da época arcaica, verificou-se entre Apolo e Hércules em torno do famoso tripé. Hércules consulta Pítia em circunstância na qual esta se recusara a responder. O herói, enfurecido, apoderou-se do tripé, que Apolo resolveu imediatamente reconquistar. Foi tão viva a luta entre os dois combatentes que Júpiter se viu obrigado a intervir mediante o raio.
O tripé de Apolo foi freqüentemente representado na arte antiga, e restam-nos monumentos em que vemos até que ponto se unia o bom gosto à riqueza na escultura ornamental dos antigos.
O Oráculo de Delfos:
O oráculo de Apolo, em Delfos, era o mais famoso da Grécia. Foi o acaso que levou ao descobrimento do lugar em que deveria erguer-se o santuário. Umas cabras errantes nos rochedos do Parnaso, aproximando-se de um buraco do qual saíam exalações malignas, foram tomadas de convulsões.
Acorrendo à notícia daquele prodígio, os habitantes da vizinhança quiseram respirar as mesmas exalações e experimentar os mesmos efeitos, uma espécie de loucura misto de contorções e brados, e seguida de dom de profecia.
Tendo-se alguns frenéticos atirado ao abismo de onde proviam os vapores proféticos, colocou-se sobre o buraco uma máquina chamada tripé, por três pés sobre os quais pousava, e escolheu-se uma mulher para a ele subir e poder, sem risco, receber a embriagadora exalação.
Na origem, a resposta do deus, tal qual a davam os sacerdotes, era sempre formulada em versos; mas tendo tido um filósofo a idéia de perguntar por que o deus da poesia se exprimia em maus versos, a ironia foi repetida por todos, e o deus passou a falar somente em prosa, o que lhe aumentou o prestígio.
A crença de que o futuro pudesse ser predito de maneira certa pelos oráculos, desenvolveu singularmente na Antigüidade a idéia da fatalidade, que em nenhuma parte transparece tão nitidamente como na lenda de Édipo; os seus esforços não conseguem livrá-lo à sentença que lhe foi anunciada pelo oráculo, e tudo quanto ele faz para evitar o destino só lhe acelera os inclementes decretos.
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© Texto Produzido Por Rosana Madjarof – 1999 – Respeite os Direitos Autorais