Deus do Comércio
Desde o nascimento possuíra Mercúrio o gênio da permuta, e é por isso que é o deus do comércio. A arte o caracteriza, então, pela bolsa segura pela mão. O emblema é o mesmo que o que se atribui ao deus dos ladrões; mas em vez de aparecer sob as feições de um menino que acaba de fazer uma peraltice, apresenta a grave fisionomia de homem que refletiu e pesa o valor dos atos.
Considerado como deus do comércio e da permuta, Mercúrio segura habitualmente uma bolsa: traz o mesmo atributo quando é deus dos ladrões, mas neste caso está representado com as feições de menino que sorri maliciosamente, por alusão às aventuras que lhe assinalaram a mais tenra infância.
Mercúrio preside aos exercícios. Mas sob tal aspecto, a arte lhe modifica o caráter; não traz mais o capacete e as asas, e se apresenta inteiramente nu sob o aspecto de vigoroso efebo, que ocupa o lugar médio entre o caráter delgado de um Apolo e o caráter robusto de um Hércules.
Os atributos de Mercúrio como deus dos ginásios são a palmeira e o galo. O galo é, por excelência, a ave de luta, e os combates de galos eram um grande divertimento para os gregos. Não é de surpreender, portanto, que tenha sido escolhido para simbolizar a luta e os exercícios que a ela se ligam.
As imagens de Mercúrio figuravam sempre nos ginásios. “Aqui se colocou, para proteger este belo ginásio, o deus que reina no monte Cilene e nas suas elevadas florestas, Mercúrio, a quem os jovens gostam de oferecer amarantos, jacintos e violetas perfumadas”. (Antologia).
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Essas imagens do deus eram às vezes uma simples cabeça pousada numa mísula. O deus ri-se, ele também, de tal uso, num epigrama da Antologia: “Chamam-me Hermes, o veloz. Ah, não me coloqueis nos ginásios, privado de pés e de mãos! Sobre uma base, sem mãos e sem pés, como poderei ser veloz na corrida ou hábil na luta?”.
Mercúrio Pedagogo
As letras servem para a transmissão das ideias. Como deus da permuta e da tradição, Mercúrio é, pois, inventor das letras: ensinando aos homens a transformação das suas ideias em caracteres que a exprimem, esse deus tornou-se naturalmente protetor dos ginásios.
Invocam-no os mestres que ensinam aos meninos os elementos da ciência; invocam-no também os escrivões públicos e todos os que se dedicam a escrever. Os instrumentos de que nos servimos para a escrita, para a geometria, fazem parte das suas atribuições, e os que ganham a vida, deles se valendo, os dedicam ao deus quando são demasiado velhos.
É o que se vê num pequenino trecho da Antologia grega, onde um velho mestre de escola se coloca sob a proteção do deus a quem serviu.
“Um disco de chumbo negro para traçar linhas, uma régua que assegura a constância de direção, vasos de líquido negro para escrever, penas bem aparadas, a dura pedra que aguça o caniço e lhe devolve a finura, o ferro que o modela com a sua ponta e a sua lâmina, todos esses instrumentos do seu ofício, Menedemo tos consagra, ó Mercúrio, pois que a idade lhe toldou os olhos. E tu, deus prestativo, não deixes morrer de fome o teu obreiro”.
Mercúrio Crióforo
A Arcádia, um dos principais centros da velha raça pelásgica, sonharia em Mercúrio, ou antes em Hermes, uma personificação da potência protetora da natureza e especialmente da terra. Era figurado na origem por um pedaço de madeira encimado por uma cabeça, e ali se fixava um símbolo grosseiro, que entre os povos pastores exprime simplesmente a força geratriz.
Esse caráter pastoral desaparece, de resto, rapidamente, para passar ao deus Pã, que em várias tradições é filho de Mercúrio. Mas o carneiro, que lhe é consagrado, e que vemos às vezes entre os seus atributos, relembra o antigo caráter de divindade campestre, e é sob tal aspecto que se chama Mercúrio crióforo, ou porta-carneiro.
Mercúrio, Guarda das Estradas
Mercúrio, como deus do comércio, é naturalmente protetor das estradas e da navegação. Nos tempos primitivos, montes de pedras colocados nas encruzilhadas dos caminhos serviam de altares destinados ao deus: mais tarde, foram feitos de outra maneira, mas sempre com o mesmo Destino.
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Mercúrio, deus da Eloqüência
Os monumentos de arte dão a Mercúrio, quando é considerado como deus da eloqüência, uma atitude particular: ele levanta levemente o braço direito como se pretendesse demonstrar alguma coisa.
A arte de comunicar as ideias pela linguagem participava naturalmente dos atributos de Mercúrio, porque ele é o deus da permuta sob todas as formas.
Era ele também que todos invocavam para adquirir os dons da memória e da palavra, como se pode ver num hino órfico a Mercúrio que contém as litanias do deus:
“Filho bem amado de Maia e de Júpiter, deus viajante, mensageiro dos imortais, dotado de grande coração, censor severo dos homens, deus prudente de mil formas, assassino de Argos, deus de pés alados, amigo dos homens, protetor da eloquência, tu que gostas da astúcia e dos combates, intérprete de todas as línguas, amigo da paz, que trazes um caduceu sangrento, deus venturoso, deus utilíssimo, que presides aos trabalhos e às necessidades dos homens, generoso auxiliar para a língua dos mortais, ouve as minhas preces, concede um feliz fim à minha existência, concede-me felizes obras, um espírito dotado de memória e de palavras escolhidas”. (hino órfico).
Mercúrio, Mensageiro dos deuses
Mercúrio transmite aos deuses as preces dos homens e faz subir a eles a fumaça dos sacrifícios. Mas é sobretudo o mensageiro dos deuses e o fiel intérprete das ordens que está incumbindo de levar. É ele que por ordem de Júpiter conduz as três deusas à presença do pastor Páris encarregado de lhes adjudicar o prêmio da beleza. Possui asas no pétaso e tem asas talares para indicar a rapidez do seu voo. Devotado mais especialmente a Júpiter, torna-se, se preciso, ministro complacente dos seus prazeres.
O caduceu usado por Mercúrio parece ter significados diversos: primitivamente era apenas a vareta usada pelos arautos que iam e vinham por diversos países em prol das relações internacionais.
Em outras circunstâncias a vareta reveste-se de uma espécie de caráter mágico: é com ela que Mercúrio adormece Argos e é dela que se serve para evocar as sombras. Em torno dos emblemas que caracterizam Mercúrio, Gabriel de Saint-Aubin colocou mariposas para indicar a leveza e a rapidez do vôo.
“O apelido de mensageiro, de servidor, diz Creuzer, tão freqüentemente dado a Hermes, está quase sempre acompanhado do de assassino de Argos, em que se revelam tão bem nas lendas pelásgicas as suas relações com a lua e o céu estrelado.
A vaca Io, efetivamente, e o vigilante Argos, que traz os seus inúmeros olhos fitos nela, não parece ser outra coisa. Quanto a Hermes, enviado pelo senhor dos deuses a libertar a sua amante de tão incômoda vigilância, nada mais faz, ao matar Argos, do que cumprir a missão que lhe é confiada, de presidir à alternativa do dia e da noite, da vida e da morte”. (Creuzer).
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Mercúrio, Condutor de Almas
Além de seu papel de mensageiro dos deuses, Mercúrio está especialmente incumbido de transportar as almas dos mortos ao reino de Plutão. Vários monumentos no-lo apresentam sob tal aspecto, que, aliás, se conforma às narrações dos poetas.
Vemos também, por vezes, Mercúrio caminhando rapidamente e segurando com a mão uma almazinha caracterizada pelas asas de borboleta: é por isso que Horácio, invocando Mercúrio, lhe dirige estas palavras: “És tu que, amado igualmente pelos deuses do Olimpo e pelos deuses do Inferno, reúnes com a tua varinha de ouro as sombras leves e conduzes as almas piedosas à venturosa morada que lhes está reservada”.
Queixas de Mercúrio
Dentre todos os deuses da antigüidade, não há nenhum que tenha exercido tantas ocupações como Mercúrio. Intérprete e ministro fiel dos demais deuses, e em particular de Júpiter, seu pai, serve-os nos seus problemas ou nos seus prazeres com infatigável zelo.
A multiplicidade das funções de Mercúrio é verdadeiramente extraordinária, e o mais ativo dos deuses chega às vezes a lamentar-se. “Há, por acaso, um deus mais infeliz do que eu? Ter, sozinho, que fazer tanta coisa, sempre curvado ao peso de tantos trabalhos!
Desde o romper do dia, devo levantar-me para varrer a sala do banquete; depois, quando já estendi tapetes para a assembléia e pus tudo em ordem, preciso ir ao pé de Júpiter, a fim de levar ordens à Terra, como verdadeiro correio. Mal regresso, ainda coberto de pó, devo servir-lhe a ambrósia, e antes da chegada do escanção, era eu quem lhe dava o néctar.
O mais desagradável, porém, é que, único entre os deuses, não fecho olho durante a noite, pois tenho de conduzir as almas a Plutão, levar-lhe os mortos e sentar-me ao tribunal. Os trabalhos do dia não têm fim; além de assistir aos jogos, de fazer o papel de arauto nas assembléias, de dar aulas aos oradores, encarrego-me, simultaneamente, de tudo quanto diz respeito às pompas fúnebres”. (Luciano).
Referências Bibliográficas:
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Petrópolis: Vozes, 7.ª edição, Vol. I, 1991.
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Petrópolis: Vozes, Vol. III, 4.ª edição, 1992.
BULFINCH, Thomas. A Idade da Fábula. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1965.
BURN, Lucilla. O Passado Lendário – Mitos Gregos. São Paulo: Moraes, 1992.CERAM, C.W. Deuses, Túmulos e Sábios. São Paulo: Melhoramentos, 19.ª edição, 1989.
COMMELIN, P. Mitologia Grega e Romana. Rio de Janeiro: Tecnoprint.
DUMÉZIL, Georges. Jupiter Mars Quirinus, essai sur la conception indo-européenne de la société et sur les origines de Rome. Paris, Gallimard, 1941.
ELIADE, Mircea. História das Crenças e das Idéias Religiosas. Tradução de Roberto Cortes de Lacerda. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1978, tomo I, vol. II, p. 15.
MÉNARD, René. Mitologia Greco-romana. São Paulo: Opus, Volumes I, II, III, 1991.
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