Anotações sobre Demócrito
Deveríamos a Demócrito muitos sacrifícios fúnebres, simplesmente para reparar os erros do passado para com ele. Com efeito, é raro que um escritor considerável tenha tido de sofrer tantos ataques devidos o razões diversas. Teólogos e metafísicos acumularam sobre seu nome suas acusações inveteradas contra o materialismo.
O divino Platão chegou mesmo a considerar seus escritos tão perigosos que pretendia destruí-los em um auto-de-fé privado e só foi impedido disso por considerar que já era tarde demais, que o veneno já estava por demais alastrado. Mais tarde, os obscurantistas da Antigüidade se vingaram dele, introduzindo, sob sua marca, o contrabando de seus escritos de magia e de alquimia, o que imputou ao pai de todas as tendências racionais uma reputação de grande mágico.
O cristianismo nascente, enfim, logrou executar o enérgico desígnio de Platão; e sem dúvida um século anticósmico devia considerar os escritos de Demócrito, assim como os de Epicuro, como a encarnação do paganismo. Enfim, foi reservado à nossa época negar também a grandeza filosófica do homem e atribuir-lhe um temperamento de sofista. Todos esses ataques se desenrolam em um terreno que não podemos mais defender.
Os fragmentos de Moral (= Estudos Éticos) têm, por um lado, um tom desenvolto de homem do mundo e uma bela forma. Não recendem a estoicismo nem a platonismo, mas, aqui e ali, lembram Aristóteles e sua metropathía.
Não são indignos de Demócrito. É um problema psicológico saber se foi ele que os escreveu. A tradição não prova nada… Junta-se a isso a obscuridade em que nos encontramos a respeito de Leucipo. Se este é o inventor da idéia principal, podemos entretanto atribuir também a Demócrito uma grande diversidade de concepções.
Todos os materialistas pensam que, se o homem é infeliz, é por não conhecer a natureza. Assim o Sistema da Natureza começa nestes termos: “O homem é infeliz porque não conhece a natureza”.
Sobre a questão da criação do mundo, Demócrito é perfeitamente claro. Uma seqüência infinita de anos, a cada mil anos uma pedrinha é juntada às outras, e a terra acaba por ser o que é.
Sobre o problema da origem do mundo, ele foi, igualmente, de uma completa clareza.
O materialismo é o elemento conservador na ciência como na vida. A ética de Demócrito é conservadora.
“Contenta-te com o mundo tal como é”, é o cânon moral que o materialismo produziu. Uma plena virilidade do pensamento e da investigação aparece cm Demócrito. Entretanto, ele não perde o senso da poesia. É o que prova sua própria descrição, seu juízo sobre os poetas, que considera como profetas da verdade (isso Ihe parece um fato natural).
Não acreditamos nos contos, mas sentimos sua força poética.
Características do Pensamento de Demócrito
- Gosto pela ciência. Aitíai. Viagens;
- Clareza. Aversão ao bizarro;
- Simplicidade do método;
- Arrojo poético (poesia do atomismo);
- Sentimento de um progresso poderoso;
- Fé absoluta em seu sistema;
- O Mal excluído de seu sistema.
- Paz de espírito, resultado do estudo cientifico. Pitágoras.
- Inquietações míticas: racionalismo.
- Inquietações morais: ascetismo.
- Inquietações políticas: quietismo.
- Inquietações conjugais: adoção de filhos.
Vauvenargues diz com razão que os grandes pensamentos vêm do coração. É na moral que está a chave da física de Demócrito. Sentir-se liberto de todo Incognoscível.
– É a meta de sua filosofia. Os sistemas anteriores não Ihe davam isso, pois deixavam subsistir um elemento irracional. Eis por que ele procurou remeter tudo àquilo que é mais fácil de compreender, a queda e o choque.
Queria sentir-se no mundo como em um quarto claro. Racionalista encarnado, pai do racionalismo, acomodava à sua maneira os deuses, o espetáculo dos sacrifícios etc. Demócrito, sem dúvida, deve igualmente ser incluído entre os melancólicos…
A meta é o otium litteratum: “ter a paz”
Demócrito, esse Humboldt do mundo antigo.
Sente-se impelido a correr o mundo. Retorna pobre e sem recursos, reduzido, como um mendigo, a viver das esmolas de seu irmão. Sua cidade natal o toma por um pródigo. Recusam-lhe uma sepultura honrada, até o dia em que seus parentes tomam as dores do morto e em que se elevam monumentos em honra daquele que, desprezado em vida, quase morrera de fome.
Ele se desempenha com excessiva rapidez dos encargos de construir o mundo e a moral. Os problemas mais profundos Ihe permanecem ocultos. É que sua vontade é a mola de sua investigação; o que quer é terminá-la e atingir o conhecimento último. Ele se atrela a este, e é isso que Ihe dá sua segurança e sua confiança em si.
Ainda não havia notado, ao passar em revista os sistemas anteriores, uma abundância infinita de pontos de vista diversos; conservou, de seus raros predecessores.,aquilo que Ihe era homogêneo, aquilo que lhe parecia inteligível e simples, e condenou sem indulgência a intrusão de um mundo mítico. É, pois, um racionalista confiante; crê na capacidade liberadora de seu sistema e elimina dele tudo aquilo que é mau e imperfeito.
Referências Bibliográficas:
DURANT, Will. História da Filosofia – A Vida e as Idéias dos Grandes Filósofos, São Paulo, Editora Nacional, 1.ª edição, 1926.
FRANCA S. J.. Padre Leonel, Noções de História da Filosofia.
PADOVANI, Umberto e CASTAGNOLA, Luís. História da Filosofia, Edições Melhoramentos, São Paulo, 10.ª edição, 1974.
VERGEZ, André e HUISMAN, Denis. História da Filosofia Ilustrada pelos Textos, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 4.ª edição, 1980.
JAEGER, Werner. Paidéia – A Formação do Homem Grego, Martins Fontes, São Paulo, 3ª edição, 1995.
Coleção Os Pensadores. Os Pré-socráticos, Abril Cultural, São Paulo, 1.ª edição, vol.I, agosto 1973.
© Texto Produzido Por Rosana Madjarof – 1997 – Respeite os Direitos Autorais