Pensamento Latino
Características Gerais
Julgamos seja preciso tratar do pensamento romano juntamente com a filosofia grega, porquanto também o pensamento romano depende – em seus motivos teóricos, especulativos, metafísicos – da filosofia grega; e precisamente depende da filosofia grega do terceiro período, de caráter pragmatista e moral, que colimava com o temperamento prático dos romanos. Antes, dos dois quesitos fundamentais da filosofia moral grega – que coisa é o sumo bem, e como se realiza – os romanos se interessaram propriamente apenas pelo segundo.
O gênio romano é oposto ao gênio grego, apesar de ambos os povos se originarem do mesmo tronco indo-europeu. O gênio romano cultua a primazia da prática, da atividade, do negotium (nos campos, nos quartéis, no foro), considerando o estudo, a especulação, a contemplação – que, segundo os gregos, representavam a mais alta tarefa da vida – como passatempos, lazeres, otia.
E como as obras primas do gênio grego foram a filosofia e a arte, que sobrevivem imperecíveis ao acontecimento empírico da queda política da Grécia, base e germe de toda sólida construção especulativa e de toda verdadeira obra artística, em oposição a todos os desvios passados e presentes, assim a obra-prima do gênio romano é o jus, o direito, a idéia imperial, universal, que sobrevivem imperecíveis ao empírico fim político do império romano – do Ocidente e do Oriente -, norma e fundamento de uma vida civilizada ideal, humana, justa, razoável, de permeio a toda a barbárie antiga e moderna.
Após a conquista romana da Macedônia (168 a.C.), a Grécia tornava-se efetivamente parte do império romano. Começa, portanto, a influência grega sobre o mundo romano. Com meios coativos, políticos, é impedida pelos conservadores – estando à frente Catão, o Antigo – os quais justamente percebiam o perigo da perversão dos costumes na vida romana, acelerada pelo contato com a refinada civilização helenista.
Um senatus-consulto, em 161 a.C., vedava a morada em Roma aos filósofos; é, porém, a última vitória dos conservadores; Roma procede fatalmente para o Império. Entre Roma e a Grécia estabelecem-se e desenvolvem-se intensas relações culturais, favorecidas pelo partido iluminado chefiado por Cipião Emiliano, Quíncio Flamínio, Paulo Emílio.
Os jovens mais conspícuos das famílias aristocráticas romanas vão à Grécia e à Ásia Menor, Atenas e Rodes, para se aperfeiçoarem nos estudos, começados geralmente na pátria sob direção de educadores gregos. E fazem isto não por interesses científicos, mas porque o helenismo é considerado bom gosto, elegância, moda, elemento indispensável da alta cultura romana.
Aliás, também a filosofia grega dirige-se para Roma. Antes de tudo, a famosa embaixada dos filósofos gregos ao senado romano em 155 a.C., composta de Carnéades, acadêmico, juntamente com Critolaus, peripatético e Diógenes, estóico, a qual segundo Plutarco, despertou grande contrariedade no velho Catão.
O epicurismo teve imediata, rápida e grande influência em Roma, o epicurista foi o primeiro romano que nos deixou um escrito filosófico: Lucrécio Caro, autor de De rerum natura. É esta uma das maiores obras da literatura latina, e, por conseqüência, testemunho do entusiasmo vivo e sincero com que foi aceito em Roma o epicurismo por um determinado grupo cultural – ainda que a obra lucreciana seja desprovida de importância especulativa.
Ecletismo e Estoicismo
As duas correntes mais importantes do pensamento romano são o ecletismo e o estoicismo. Ambos correspondem à índole prática do gênio romano: o primeiro condiz com o pragmatismo positivo, otimista, da idade republicana; o segundo condiz com o pragmatismo negativo, pessimista, da idade imperial.
Marco Túlio Cícero
O mais destacado expoente da primeira corrente é Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.), jurista e homem político literato e orador famoso. Não é, porém, igualmente ilustre no mundo filosófico. Carece de interesse especulativo, de crítica e de sistema; o sistema filosófico de Cícero é uma forma de pragmatismo eclético, sendo critério de verdade o útil moral.
Seu mérito principal está no fato de que ele fez ampla e eficazmente conhecer a Roma o pensamento helênico, traduzindo-o para a língua latina, criando um verdadeiro dicionário filosófico latino. Cícero tem mérito também como historiador da filosofia antiga, de que representa uma fonte essencial, às vezes a única fonte, dada a sua cultura vasta e eclética.
Em Atenas e em Rodes, Cícero foi discípulo de Filo, acadêmico, de Possidônio, estóico, e de Fedro epicurista. O seu pensamento é, assim, um ecletismo com tendências acadêmicas e para finalidades morais – conforme a segunda escola estóica grega.
O estoicismo romano difere do estoicismo grego, porquanto – segundo a índole prática do gênio romano – limita-se quase exclusivamente aos problemas morais, que constituem o caráter essencial do estoicismo, descuidando quase que completamente dos problemas teoréticos, que no estoicismo são resolvidos segundo uma metafísica elementar e contraditória.
Daí uma superioridade do estoicismo romano sobre o estoicismo grego; a profunda praxe ascética do estoicismo recebe, aliás, uma confirmação de alto valor, pela sua aceitação por parte de uma mentalidade positiva, realista, prática, qual era a mentalidade romana. Os romanos, portanto, podem considerar-se quase naturalmente estóicos; pelo menos os romanos da idade imperial, que fazem parte da oposição e se apegam à liberdade espiritual do pensamento, aonde não pode chegar o poder exterior, jurídico, político, tendo renunciado a todo o resto.
Não é de admirar, por conseguinte, – deixando na sombra as questões teoréticas – terem os estóicos romanos exercido uma função prática, moral, quase religiosa. Procurar-se-á um filósofo, como os cristãos procurarão um padre; toda grande casa terá um filósofo, como mais tarde terá o seu capelão. Sêneca e Epicteto pertencem a esta classe de diretores espirituais.
Entre os numerosos estóicos da idade imperial, apenas Sêneca, Musônio Rufo, Epicteto e Marco Aurélio – pertencentes ao primeiro e segundo século d.C. -, têm uma personalidade própria. E, entre estes, Sêneca é o maior como pensador, moralista e escritor epigramático.
Referências Bibliográficas:
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VERGEZ, André e HUISMAN, Denis. História da Filosofia Ilustrada pelos Textos, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 4.ª edição, 1980.
JAEGER, Werner. Paidéia – A Formação do Homem Grego, Martins Fontes, São Paulo, 3ª edição, 1995.