Vida de Heráclito
Heráclito nasceu em Éfeso, cidade da Jônia, de família que ainda conservava prerrogativas reais (descendentes do fundador da cidade). Seu caráter altivo, misantrópico e melancólico ficou proverbial em toda a antigüidade. Desprezava a plebe. Recusou-se sempre a intervir na política. Manifestou desprezo pelos antigos poetas, contra os filósofos de seu tempo e até contra a religião.
Sem ter sido mestre, Heráclito escreveu um livro Sobre a Natureza, em prosa, no dialeto jônico, mas de forma tão concisa que recebeu o cognome de Skoteinós, o Obscuro. Floresceu em 504-500 a.C. – Heráclito é por muitos considerados o mais eminente pensador pré-socrático, por formular com vigor o problema da unidade permanente do ser diante da pluralidade e mutabilidade das coisas particulares e transitórias. Estabeleceu a existência de uma lei universal e fixa (o Lógos), regedora de todos os acontecimentos particulares e fundamento da harmonia universal, harmonia feita de tensões, “como a do arco e da lira”.
Filosofia de Heráclito: Heráclito concebe o próprio absoluto como processo, como a própria dialética. A dialética é:
- Dialética exterior, um raciocinar de cá para lá e não a alma da coisa dissolvendo-se a si mesma;
- Dialética imanente do objeto, situando-se, porém, na contemplação do sujeito;
- Objetividade de Heráclito, isto é, compreender a própria dialética como princípio.
É o progresso necessário, e é aquele que Heráclito fez. O ser é o um, o primeiro; o segundo é o devir – até esta determinação avançou ele. Isto é o primeiro concreto, o absoluto enquanto nele se dá a unidade dos opostos. Nele encontra-se, portanto, pela primeira vez, a idéia filosófica em sua forma especulativa; o raciocínio de Parmênides e Zenão é entendimento abstrato; por isso Heráclito foi tido como filósofo profundo e obscuro e como tal criticado.
O que nos é relatado da filosofia de Heráclito parece, à primeira vista, muito contraditório; mas nela se pode penetrar com o conceito e assim descobrir, em Heráclito, um homem de profundos pensamentos. Ele é a plenitude da consciência até ele – uma consumação da idéia na totalidade que é o início da Filosofia ou expressa a essência da idéia, o infinito, aquilo que é.
O Princípio Lógico: O princípio universal. Este espírito arrojado pronunciou pela primeira vez esta palavra profunda: “O ser não é mais que o não-ser“, nem é menos; ou ser e nada são o mesmo, a essência é mudança. O verdadeiro é apenas como a unidade dos opostos; nos eleatas, temos apenas o entendimento abstrato, isto é, apenas o ser é.
Dizemos em lugar da expressão de Heráclito: O absoluto é a unidade do ser e do não-ser. Se ouvimos aquela frase “O ser não é mais que o não-ser“, desta maneira, não parece, então, produzir muito sentido, apenas destruição universal, ausência de pensamento. Temos, porém, ainda uma outra expressão que aponta mais exatamente o sentido do princípio. Pois Heráclito diz: “Tudo flui (panta rei), nada persiste, nem permanece o mesmo”.
E Platão ainda diz de Heráclito: “Ele compara as coisas com a corrente de um rio – que não se pode entrar duas vezes na mesma corrente”; o rio corre e toca-se outra água. Seus sucessores dizem até que nele nem se pode mesmo entrar, pois que imediatamente se transforma; o que é, ao mesmo tempo já novamente não é. Além disso, Aristóteles diz que Heráclito afirma que é apenas um o que permanece; disto todo o resto é formado, modificado, transformado; que todo o resto fora deste um flui, que nada é firme, que nada se demora; isto é, o verdadeiro é o devir, não o ser – a determinação mais exata para este conteúdo universal é o devir.
Os eleatas dizem: só o ser é, é o verdadeiro; a verdade do ser é o devir; ser é o primeiro pensamento enquanto imediato. Heráclito diz: Tudo é devir; este devir é o princípio. Isto está na expressão: “O ser é tão pouco como o não-ser; o devir é e também não é”. As determinações absolutamente opostas estão ligadas numa unidade; nela temos o ser e também o não-ser. Dela faz parte não apenas o surgir, mas também o desaparecer; ambos não são para si, mas são idênticos.
É isto que Heráclito expressou com suas sentenças. O não ser é, por isso é o não-ser, e o não-ser é, por isso é o ser; isto é a verdade da identidade de ambos.
É um grande pensamento passar do ser para o devir; é ainda abstrato, mas, ao mesmo tempo, também é o primeiro concreto, a primeira unidade de determinações opostas. Estas estão inquietas nesta relação, nela está o princípio da vida. Com isto está preenchido o vazio que Aristóteles apontou nas antigas filosofias – a falta de movimento; este movimento é aqui, agora mesmo, princípio.
É uma grande convicção que se adquiriu, quando se reconheceu que o ser e o nada são abstrações sem verdade, que o primeiro elemento verdadeiro é o devir. O entendimento separa a ambos como verdadeiros e de valor; a razão, pelo contrário, reconhece um no outro, que num está contido seu outro – e assim o todo, o absoluto deve ser determinado como o devir.
Heráclito também diz que os opostos são características do mesmo, como, por exemplo, “o mel é doce e amargo” – ser e não-ser ligam-se ao mesmo. Sexto observa: Heráclito parte, como os céticos, das representações correntes dos homens; ninguém negará que os sãos dizem do mel que é doce, e os que sofrem de icterícia que é amargo – se fosse apenas doce, não poderia modificar sua natureza através de outra coisa e assim também para os que sofrem de icterícia seria doce.
Zenão começa a sobre sumir os predicados opostos e aponta no movimento aquilo que se opõe – um por limites e um sobre sumir os limites; Zenão só exprimiu o infinito pelo seu lado negativo -, por causa de sua contradição, como o não verdadeiro. Em Heráclito, vemos o infinito como tal expresso como conceito e essência: o infinito, que é em si e para si, é a unidade dos opostos e, na verdade, dos universalmente opostos, da pura oposição, ser e não-ser.
Tomamos nós o ente em si e para si, não a representação do ente, do pleno, assim o puro ser é o pensamento simples, em que todo o determinado é negado, o absolutamente negativo – nada é o mesmo, apenas este igual a si mesmo -, passagem absoluta para o oposto, ao qual Zenão não chegou! “Do nada, nada vem.” Em Heráclito o momento da negatividade é imanente; disto trata o conceito de toda a Filosofia.
Primeiro tivemos a abstração de ser e não-ser, numa forma bem imediata e universal; mais exatamente, porém, também Heráclito concebeu as oposições de maneira mais determinada. É esta unidade de real e ideal, de objetivo e subjetivo; o objetivo somente é o devir subjetivo.
Este verdadeiro é o processo do devir; Heráclito expressou de modo determinado este pôr-se numa unidade das diferenças. Aristóteles diz, por exemplo, que Heráclito “ligou o todo e o não-todo” (parte) – o todo se torna parte e a parte o é para se tornar o todo – , o “que se une e se opõe”, do mesmo modo, “o que concorda e o dissonante”; e de que de tudo (que se opõe) resulta um, e de um tudo. Este um não é o abstrato, a atividade de dirimir-se; a morta infinitude é uma má abstração em oposição a esta profundidade que vemos em Heráclito.
Sexto Empírico cita o seguinte que Heráclito teria dito: A parte é algo diferente do todo; mas é também o mesmo que o todo é; a substância é o todo e a parte. O fato de Deus ter criado o mundo Ter-se dividido a si mesmo, gerado seu Filho etc. – todos estes elementos concretos estão contidos nesta determinação. Platão diz, em seu Banquete, sobre o princípio de Heráclito: “O um, diferenciado de si mesmo, une-se consigo mesmo” – este é o processo da vida, “como a harmonia do arco e da lira”.
Deixa então que Erixímaco, que fala no Banquete, critique o fato de a harmonia ser desarmônica ou se componha de opostos, pois que a harmonia se formaria de altos e baixos, mas da unidade pela arte da música. Mas isto não contradiz Heráclito, que justamente quer isto. O simples, a repetição de um único som não é harmonia. Da harmonia faz parte a diferença; é preciso que haja essencial e absolutamente uma diferença. Esta harmonia é precisamente o absoluto devir, transformar-se – não devir outro, agora este, depois aquele.
O essencial é que cada diferente, cada particular seja diferente de um outro – mas não de um abstrato qualquer outro, mas de seu outro; cada um apenas é, na medida em que seu outro em si esteja consigo, em seu conceito. Mudança é unidade, relação de ambos a um, um ser, este e o outro. Na harmonia e no pensamento concordamos que seja assim; vemos, pensamos a mudança, a unidade essencial.
O espírito relaciona-se na consciência com o sensível e este sensível é seu outro. Assim também no caso dos sons; devem ser diferentes, mas de tal maneira que também possam ser unidos – e isto os sons são em si. Da harmonia faz parte determinada oposição, seu oposto, como na harmonia das cores.
A subjetividade é o outro da objetividade, não de um pedaço de papel – o absurdo disto logo se mostra -, deve ser seu outro, e nisto reside sua identidade; assim cada coisa é o outro do outro enquanto seu outro. Este é o grande princípio de Heráclito; pode parecer obscuro, mas é especulativo; e isto é, para o entendimento que segura para si o ser, o não-ser, o subjetivo e objetivo, o real e o ideal, sempre obscuro.
Referências Bibliográficas:
DURANT, Will. História da Filosofia – A Vida e as Idéias dos Grandes Filósofos, São Paulo, Editora Nacional, 1.ª edição, 1926.
FRANCA S. J.. Padre Leonel, Noções de História da Filosofia.
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VERGEZ, André e HUISMAN, Denis. História da Filosofia Ilustrada pelos Textos, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 4.ª edição, 1980.
JAEGER, Werner. Paidéia – A Formação do Homem Grego, Martins Fontes, São Paulo, 3ª edição, 1995.
Coleção Os Pensadores. Os Pré-socráticos, Abril Cultural, São Paulo, 1.ª edição, vol.I, agosto 1973.
© Texto Produzido Por Rosana Madjarof – 1997 – Respeite os Direitos Autorais
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