Georg Wilhelm Friedrich Hegel
Hegel (Estugarda, 27 de agosto de 1770 – Berlim, 14 de novembro de 1831) foi um filósofo germânico.
O ceticismo se apresenta como uma posição existencial que não devemos ignorar, primeiro porque não estamos no âmbito da religião para nos agarramos a dogmas de esperanças que nos asseguraria uma suposta estabilidade existencial diante do mundo, e segundo porque as consequências epistemológicas são bastante sérias para que possamos desprezá-las. Sabemos que na história do pensamento filosófico ocidental o ceticismo assumiu diversas facetas, desde antiguidade ocidental, como na academia Platônica no século III ao ceticismo de Pirron, assim como na idade media, tendo como protagonista Santo Agostinho e na idade Moderna chegando a suas ultimas consequências com David Hume. O problema central do ceticismo desde o período Helenístico se traduzia segundo Richard Popkin da seguinte maneira:
No período helenístico desenvolveram um conjunto de argumentos para estabelecer se 1º não era possível nenhum conhecimento, ou 2º se a evidência era insuficiente e inadequada para determinar se era possível algum conhecimento, e, portanto, que havia de suspender o juízo sobre todas as questões relativas ao conhecimento. A primeira destas opiniões é chamada de ceticismo acadêmico, a segunda ceticismo pirrônico.[1]
Os céticos acadêmicos lutaram implacavelmente contra qualquer forma de dogmatismo filosófico e contra qualquer possibilidade de conhecimento seja ele empírico, ou transempírico.[2] O ceticismo pirrônico foi mais radical ao colocar qualquer juízo em suspensão contra qualquer forma de afirmação ou negação de uma proposição. Hegel estava bem ciente dos diversos matizes do ceticismo, assim como de sua diferença do período helenístico apresentadas pelos pirrônicos e o ceticismo moderno, levado as ultimas consequências por Hume contra a metafísica dogmática, demonstrando a impossibilidade de conhecermos a coisa em si, ou da conexão necessária entre a causa e o efeito.[3]
Apresentadas essas asseverações entremos na problemática que o título do texto nos propõe. Existem dois vieses que podemos tratar o problema do ceticismo em Hegel, sem nenhuma pretensão que se esgote neles. O primeiro se daria mediante a consciência que percorreu todos os momentos e figuras e ascendeu ao saber absoluto e rejeitando a atitude da consciência ordinária que não apreendeu a necessidade do desenvolvimento do pensamento filosófico afirmar como Hegel que:
Com a mesma rigidez com que a opinião comum se prende à oposição entre o verdadeiro e o falso, costuma também cobrar, ante um sistema filosófico dado, uma atitude de aprovação ou de rejeição. Acha que qualquer esclarecimento a respeito do sistema só pode ser um ou outra não concebe a diversidade dos sistemas filosóficos como desenvolvimento progressivo da verdade, mas só vê na diversidade a contradição. [4]
Alguns poderiam objetar que este parágrafo não constitui uma evidência para aceitação da concatenação dos sistemas filosóficos guiado por uma teleologia, como argumento forte, contra aqueles que só veem na multiplicidade dos pensamentos filosóficos disputas e por consequência a possibilidade de rende-se ao ceticismo. Por isso é preferível adotar a segunda perspectiva, que se dar mediante a própria experiência que faz consciência como momento necessário para seu progresso e através dela, assim como também, sua contradição e insuficiência.
O propósito da fenomenologia
É necessário retomar mesmo que resumidamente o propósito da fenomenologia do espírito para entendermos a figura do ceticismo para a consciência. Hegel na fenomenologia descreve o processo que faz a consciência num movimento dialético do saber mais simples, elementar, ao saber absoluto ou filosófico. Este percurso representa “ ciência da experiência da consciência”. O que isso significa? Que a consciência faz a experiência de si mesma mediante aquilo que se mostra ou manifesta (Ercheinung), e Hegel descreverá numa perspectiva epistemológica e antropológica o drama que experimentará a consciência rumo a sua unidade, por causa da cisão entre EU – Mundo, e nesse percurso nos diz Hegel:
Essa contradição e sua remoção se darão a conhecer de modo mais determinado se recordarmos primeiro as determinações abstratas do saber e da verdade, tais como ocorreu na consciência. Pois a consciência distingue algo de si e ao mesmo tempo se relaciona como ele; ou exprimindo de outro modo ele é algo para a consciência. O aspecto determinado desse relacionar-se – ou do ser de algo para uma consciência – e o saber, nós porém distinguimos desse ser para um outro o ser-em-si o que é relacionado com o saber também se distingue dele e se põe como essente, mesmo fora dessa relação: o lado desse em si chama-se verdade. o que está propriamente nessas determinações não nos interessa discutir mais aqui, pois enquanto nosso objeto é o saber fenomenal suas determinações são também tomadas como imediatamente se apresentam; e, sem dúvida, que se apresentam como foram apreendidas.[5]
O que Hegel explicita nesse breve parágrafo é a contradição em que se vê jogada a consciência em seu percurso ao fazer a experiência de seu saber no mundo desde a certeza sensível que inocentemente acreditará num realismo extremo ate o entendimento quando começará a despertar que o que há é um jogo de relações entre eu -mundo, em outras palavras ao se elevar a consciência de si, se perceberá como um “mundo no mundo”.
A consciência de si e o ceticismo
Não será possível desenvolver as significações de todos os momentos da consciência de si, por causa do afastamento do objetivo do nosso tema A figura da consciência cética se apresenta como 3º momento da consciência de si, e:
O ceticismo revela o movimento dialético que são a certeza sensível, a
percepção e o entendimento; e também a inessencialidade do que na
relação de dominação e servidão, e do que para o pensamento abstrato
vale como algo determinado.[6]
Esse parágrafo é muito interessante, porque é na figura do ceticismo que ficará claro pra consciência que passou pelo drama do desvanecer das coisas na figura da certeza sensível, no vai e vem da percepção e na figura do entendimento que ela mesmo é negadora de toda a realidade, o que não foi conseguido nem pela negação limitadora do desejo e trabalho da dialética do senhor e escravo e nem pela liberdade abstrata na figura do estoicismo com sua cisão entre forma universal e conteúdo. A positividade da consciência cética consiste que o desvanecer do mundo real não são mais alheios a ela ou que a sua negatividade já não são apreendidas como exteriores, mas como obra da própria consciência, todavia, a consciência pagará o preço de sua atitude anuladora, porque embora a vantagem do ceticismo seja o exame do que é a verdadeiro esse caminho para ela é de perda, pois todo seu mundo representacional se esvai por isso diz Hegel que esse percurso:
Pode ser considerado o caminho da dúvida (Zweifel) ou, com mais propriedade, o caminho do desespero (Verzweiflung); pois nele não ocorre o que se costuma entender por dúvida: um vacilar nessa ou naquela pretensa verdade, seguido de um conveniente desvanecer de novo da duvida e um regresso aquela verdade, de forma que, no fim, a coisa seja tomada como era antes. Ao contrário a dúvida que expomos é a penetração consciente na inverdade do saber fenomenal.[7]
Se a vantagem do ceticismo frente ao estoicismo foi ter saído da liberdade abstrata e agido com o caráter do negativo na multiplicidade de tudo o que é, aquela atitude pagará o preço por ficar na unilateralidade dessa negação e não compreender que “toda negação é determinação” e a consequência dessa atitude será a inquietude da falsa certeza de si mesma na anulação de todo ser outro, mas o interessante, é que porque a consciência esquece seus passos, esqueceu que a elevação para a consciência de si só foi possível mediante a reflexão dela diante do mundo ou a saída de si no seu ser outro retornando a si mais rica e efetiva evitando que caísse no solipsismo A=A, pagará, portanto o preço necessário do esquecimento da consciência cindida em si mesma por isso:
Faz desvanecer no seu pensar o conteúdo inessencial; mas exatamente nisso a consciência é algo inessencial: declara o absoluto desvanecer, mas o declarar é; e essa consciência é o desvanecer declarado. Declara a nulidade do ver, ouvir etc., e ela mesma vê, ouve, etc.; declara a nulidade das essências éticas e delas faz o seu proceder. Seu agir e suas palavras se contradizem sempre; e desse modo, ela mesma tem uma dupla consciência contraditória e da imutabilidade e igualdade; e da completa contingência e desigualdade consigo mesma…. se lhe indicam a igualdade, ela indica a desigualdade e quando se lhe objeta essa desigualdade que acaba de declarar, passa adiante para declarar a igualdade. Seu falatório é, de fato, uma discussão entre rapazes teimosos: um diz A quando o outro diz B, e diz B quando o outro diz A: e aí assim cada um, à custa da contradição consigo mesmo, se paga a alegria de ficar sempre em contradição com o outro. [8]
Mediante o que foi exposto é possível compreender porque até a posição pirrônica é contraditória em si mesma, na medida em que a própria consciência é fenômeno para si mesma, já que a consciência faz a sua experiência no saber fenomenal, encontrando-se a si própria em tudo o que é. Mas na verdade o que a consciência cética experimenta sem saber é de ser uma consciência infeliz, ou seja consciência de si, cindida em si mesma, entre a infinitude, ou deus, e sua própria finitude, este é considerado por alguns comentadores como um dos capítulos mais belo da Fenomenologia do Espírito.
Bibliografia
Moraes, Alfredo de Oliveira. A Metafísica do Conceito; sobre o problema do conhecimento de Deus na Enciclopédia das Ciências Filosóficas de Hegel. Porto Alegre: EdPUCRS/UNICAP, 2003
Hegel, G.W.F Fenomenologia do espírito. Trad. Paulo Meneses. Edição revisada vol. Único. Petrópolis, Vozes, ed. 2012.
Hyppolite, Jean. Genesis y estrutura de la fenomenologia del espíritu de Hegel.
- Valls Plana. Del Yo al Nosotros. Una lectura de la fenomenología del espíritu de Hegel. Ed. Estela, Barcelona.
[1] Popkin, R. La historia del escepticismo desde Erasmo hasta Spinoza, trad. Juan José Utrilla, Ed. Fondo de cultura, ed. 1983. (livre tradução).
[2] Popkin, R. La historia del escepticismo desde Erasmo hasta Spinoza, trad. Juan José Utrilla, Ed. Fondo de cultura, ed. 1983.pg 12(livre tradução).
[3] Hyppolite, Jean. Genesis y estrutura de la fenomenologia del espíritu de Hegel. Pg 167
[4] Hegel, G.W.F Fenomenologia do espírito. Trad. Paulo Meneses. Edição revisada vol. Único. Petrópolis, Vozes, ed. 2012.
[5] Hegel, G.W.F Fenomenologia do espírito. Trad. Paulo Meneses. Edição revisada vol. Único. Petrópolis, Vozes, ed. 2012. §82
[6] Hegel, G.W.F Fenomenologia do espírito. Trad. Paulo Meneses. Edição revisada vol. Único. Petrópolis, Vozes, ed. 2012. §203
[7] Hegel, G.W.F Fenomenologia do espírito. Trad. Paulo Meneses. Edição revisada vol. Único. Petrópolis, Vozes, ed. 2012. §78
[8] Hegel, G.W.F Fenomenologia do espírito. Trad. Paulo Meneses. Edição revisada vol. Único. Petrópolis, Vozes, ed. 2012. §205
© Texto Produzido Por Paulo Fernando – 13/01/2016 – Respeite os Direitos Autorais